terça-feira, 10 de novembro de 2009

Fome de viver

Como toda criança, vim ao mundo aos berros. A diferença é que eu não parei de gritar. Enquanto os outros bebês ficavam quietinhos no carrinho em que eram levados para serem amamentados, eu fazia tanto escarcéu que as companheiras de enfermaria de minha mãe avisavam: "Maria, lá vem sua filha".

A medida que crescia, o berreiro foi sendo substituído pela inquietação (hoje chama-se hiperatividade). Sapatos, só para ir à escola; os dedões viviam ralados de tanto chutar o cimento tentando acertar a bola; passava horas em cima de árvores. Naquela época, dizia-se que pessoas irriquietas tinham "bicho-carpinteiro". Eu tinha vários.

Na tentativa de me domar, mamãe fez de um tudo: do livro de boas maneiras ao castigo, a suspensão do lanche toda vez (sempre) que eu ficava enrolando para almoçar, e até o famoso método Piaget de português (o tamanco). Acreditando que eu era encapetada, mandou-me para um colégio de freiras. Onde aprontei muito.

Quando meu filho mais novo nasceu, também berrando muito e com os cabelos em pé, ela comentou, ferina: "Ele vai ser igualzinho a você, que vai passar agora por tudo o que eu passei!"

Não passei. Amei cada capetice daquele indiozinho e do irmão mais velho, embora este tenha sido muito tranquilo na infância.

E, talvez por isso, pela sabedoria da velhice e alguma terapia, mamãe passou a ver com outros olhos a sua filha difícil. Continua contando a história da maternidade, mas agora diz, orgulhosa, que eu gritava porque tinha fome de viver.

Valeu mãe!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Eu, Lucas e Clarice

Rosane de Souza*

Pouco me passou pela cabeça a idéia de escrever sobre meu neto. Já há diários demais, blogs e vidas expostas em quantidade suficiente. Já tinha até desistido não só de escrever como também de ser avó, quando Lucas, que poderia ser Mateus ou Thiago -- meu nome preferido por acreditar mais forte --, disse olá na minha vida.

Desde que soube que viria, fiquei quietinha, com medo de, ao externar alegria, atrair alguma malasorte (como dizia minha sertaneja mãe, que também insistia em chamar rosbife de malassada ), palavra que o Word logo tinge de vermelho em desaceitação. Alguns contratempos pareciam confirmar a tese de que ele era seria sempre apenas uma ficção, um personagem do livro que jamais escreveria.

Mas ele apareceu, apesar de e por sobre os meus medos. E é um bom menino. É fácil amá-lo. Embora não seja lá muito bem- humorado. O que para qualquer criança é coisa engraçada, de rolar de rir, nele vira apenas um tema de curiosa reflexão e de franzir de testa, como se pensasse: “que diabos ela pensa que está fazendo?”. Escolhe do que rir, como quer, a hora em que quer, e, muitas vezes, faz isso retribuindo o sorriso do outro, daquele que não sou eu, -- na maioria das vezes, seres absolutamente inanimados: plantas que o vento balança, ventiladores de teto, fotos antigas, cores, luzes, meu pai e minha mãe em foto desde que o mundo é mundo.

Mas o que escrevo aqui, penso eu, é menos sobre netos e mais sobre o que eles refletem. É sobre aonde ele me arremessa: ao que fui. Com ele, por exemplo, voltei a viver um tempo inenarravelmente lento, como só os domingos sabem ser. Acho os três meses que fará em 18 de outubro uma eternidade. É o tempo que achava que durava o ano até o chegar o carnaval, quando era menina e acreditava mais em Deus. Ou o Natal, o que dá no mesmo, porque o essencial aqui é a espera de alguma coisa boa.

Lucas é também o único traço a mostrar estive aqui, embora só para alguns, que andei por essas ruas e, mais do que por aqui, caminhei por Salvador, embora não diga mais nada de mim -- de quem fui, como pude e o que restou, ao fim. É também a única testemunha de como mudei, porque os outros mal viram como me encolhi igual a uma concha.

Pensar que andarei por aqui quando não mais estiver, mesmo que não seja exatamente eu, consola e alivia as dores de um tempo em que pessoas não importam. Quiçá, mas isso já seria de uma sorte inacreditável, sonhe os sonhos que não me foram possível.

Em pessoas como eu um neto não convida só ao brincar e a contar peraltices. Obriga à reflexão sobre a velhice e a desistência de ser o que se foi.

Que memória terá o meu neto de mim? Que Deus me ajude a ser só uma pequena parte de quem sou hoje. Não sou nem a sombra do que fui – e nem sei é bom, aliás, creio que de todo não. Hoje sou gentil e cumprimento até a quem não gosto. Mas engulo sapos que coaxiam nas madrugadas de minha alma. Não grito mais que é crime o que andam fazendo com o Velho Chico, meu São Francisco, que vai inundar as terras dos que já têm tudo até água e secar a sua própria e generosa fonte. E o povo nordestino continuará a ser aquele que acha que Dilma, em quem diz que vai votar, é a "esposa" do presidente. Aquele que não só ler sem entender, como também ouve sem pensar (já que as TVs falam dela sempre).

Analfabetos funcionais de olhos e ouvidos.

Mas, pensando bem, talvez seja bom que testemunhe o que "pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma". É o que disse Clarice, a Lispector, numa carta as irmãs. "Não pensem que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro" ...

Ela diz mais e melhor do que eu: " Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu…Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força".

Que seja passageiro.esse estado de andar na vida só por ver os outros andarem.

*Jornalista e AVÓ

domingo, 11 de outubro de 2009

Se Londres fosse a Palestina...

Minha querida amiga e colaboradora (sumida) do blog, Sonia Aguiar, enviou-me este filme, vencedor do Festival CTRL-ALT-SHIFT. Seu comentário: É curto. E Forte.
http://www.ctrlaltshift.co.uk/nowaythrough

terça-feira, 14 de julho de 2009

Real idade

Marisa Silvera*

Meia meia! Fiz idade
no dia 13 de junho santoantonal
e até recebi parabéns do aparato social.

Faço hidro pra artrose
Musculação pra prevenção de osteoporose
RPG pra ferruginose
Ah! ainda faltou a repetição
num tempo tomado do sol
diariamente pra vitamina D fixar,
mas não posso me queixar,
pois faceira, ainda consigo caminhar
ou é o que penso que posso. Metáfora?

Levantei pra buscar os óculos,
voltei horas depois...
Nesta ida, fui à cozinha,
pus, no leite, o resto do yogurt pra transformá-lo em mais
de lambuja até passei aspirador,
pendurei roupa no secador
e fiz suco de limão.

Dos cabelos, já não cuido.
Os escritos, não os leio.
Perambulo no apartamento,
desligada, sem receio.
Do tricô me afastei.
Esquecida? Avesso ou direito?
Mesma coisa com o fogão.
Antes ninava as filhas,
agora só recordação...
Quando sento, me dou conta
e os óculos? Onde estarão?

Faço hidro pra artrose
Roubo cedo um tempo do sol
- prevenção de osteoporose -
Bebo cálcio leite yogurt queijo,
mas não me queixo,
acho até bom,
distrai o corpo
e o corpo me distrai,
contrai estende alonga encolhe,
escolhe um vestido uma blusa a calça,
mas tudo acaba na recusa
deste de agora corpo
que me trai.

Bobagem...vaidade.... futilidade...

Fiz 66
e ainda me dão parabéns.
Por que?
Nunca entendi.
Parabenizar o que nada fiz
como todos apenas vivi.

*Criada, como diz, na roça do Rio Grande do Sul,Marisa é formada em fonoaudiologia, tem mestrado em literatura de língua portuguesa e é especialista em Adélia Prado e Guimarães Rosa.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ivo, viu a uva

Eu já estava ficando de saco cheio. E, agora, ele explodiu.

Recebo zilhões de releases por dia. Filtro no webmail (pelo título) os que interessam para baixar e detono o resto. Mas, volta e meia, me deparo com atrocidades gramaticais. E uma das mais frequentes é a que coloca vírgula entre pronome e verbo.

O que me deixa irritada é que os textos são redigidos por jornalistas, ou seja, gente que deveria ter o domínio da língua. Ou, pelo menos, não cometer erros tão primários. É a "infância da arte".

Acabou sobrando para a jornalista que me enviou um release sobre déficit de atenção (TDAH). O tema é interessante, a notícia idem. Mas não há leitura que resista diante de [o psiquiatra fulano, traz], [segundo, fulano] e pérolas semelhantes.

Respondi ao release - educadamente, claro -, alertando para o problema. Espero que recebam como contribuição.

domingo, 28 de junho de 2009

Twitter no Titanic, 11 de setembro...

Lucas Dantas*

Durante todo o dia 25/06 mensagens, piadas e links para notícias sobre a morte de Michael Jackson choviam no Twitter e pela primeira vez um único assunto dominou todos os trends do serviço. Não havia quem falasse de outro assunto. Lógico e compreensível. Mas criou-se agora uma expectativa de como será o próximo. Eu prefiro pensar como teria sido em outros acontecimentos históricos.

Titanic

@umcaraaí Transatlântico de luxo manda sinal de SOS no Atlântico.

@outrocaraaí Parece que o Titanic bateu num iceberg e está afundando.

@rose_dawson Estamos no Titanic e não tem barcos para todo mundo. A banda ainda toca e eu não sei nadar. #comofaz?

@jack Consegui um ticket pra esse barco num jogo de cartas, mu juntei com uma rica e agora to afundando no mar gelado. VDM

@Cal_Hockley (in reply to) @jack HAHAHAHAHAHAHAHAHA

@touristguy Consegui escapar do Titanic, mas uma galera vai morrer. :-( http://is.gd/1ePe2

O Titanic seria como o Air France: chocante no início, mas depois cairia no esquecimento. O que não aconteceria no dia 06 de agosto de 1945.

@aquelecarala Explodiu uma bomba sinistra em Tóquio. Os americanos mandaram uma bomba randômica.

@outrocara Não foi em Tóquio, mas em Hiroshima. http://is.gd/1ePR0 Clarão absurdo no céu.

@h_chavez Bomba atômica no Japão. Americanos apelaram!!!

@manifestanteshippies Japão não se rende. Bora Japão. #foraUSA

@mr_manson Agora, o que tem de hot roll em Hiroshima não é sacanagem. Churrasco de sushi.

O Twitter sempre começa com notícias sérias, mas com o tempo as piadas (muitas de péssimo gosto) vão chegando e dominam o espaço. Vira um tal retwittar as mensagens que você nunca sabe onde vão parar suas mensagens.

Alguns acontecimentos talvez fossem capazes de acabar com o tráfego online, se existisse o twitter e afins na época. A morte de John Lennon, por exemplo, eu aposto que travaria até site pornô. E quem não estivesse em NY poderia ver todas aquelas pessoas em frente ao Dakota cantando All We Need Is Love através de streamings live e fotos que pipocariam na rede a cada segundo. E, claro, as famigeradas mensagens.

@denovoocara Morre Lennon.

@ooutrocara Mataram o Lennon!!! E o &%$# do Ringo continua vivo. #megafail

@piadista_sem_graca All We Need Is Love, and some bulletprof jacket

Fantático que sou pelo futebol, fico imaginando o gol mil do Pelé sendo twittado mundo afora.

No Rio - @carioca_no_maraca Penalti pro Santos! Agora sai o 1000 ou um zagueiro do Bahia vai atrapalhar de novo?

Em São Paulo - @bixiga Gooooool mil! Mas por que raios o negão escolheu fazer no Rio???

Em Buenos Aires - @torcedordoBoca Pelé? El macaquito? Me gusta más Di Stéfano.

Nos EUA - @EUA What is soccer? Where is Brazil?

E o 11 setembro….

World Trade Center pegando fogo.

Você viu? Acabou de entrar um avião no WTC!!!

A internet tá baleiando muito. Não consigo entrar em nenhum site!!

@muslim CHÃO! CHÃO! CHÃO! CHÃO-CHÃO-CHÃO CHÃO! CHÃO!


* Trechos editados do blog Dois Rios e Uma Ilha de Concreto (http://lucasdantas.com)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Rua Santa Fé 725

Rosane de Souza*

Há anos que nos dizem que estamos condenados a viver essa vida -- desgraçadamente meus filhos acreditaram e eu mesma já não estou segura de que há outra. Parte de minha geração com certeza anda vivendo os dias como se fosse um exercício de esquecer até a bela observação de um anônimo combatente republicano espanhol: "Nós perdemos todas as batalhas, mas éramos nós que tínhamos as melhores canções".

Muitos estão em dúvida se são melhores as nossas canções. Sentem até certo desconforto em escutá-las.

Cansei e até introjetei, acho, a idéia de que tudo em que acreditei é, no mínimo, risível. O que a esquerda (falo da esquerda e nela, por favor, excluam o PT, em nome das melhores canções) vem pensando e escrevendo colabora para isso, acredito, porque não há, em geral, um pensamento mais profundo -- talvez a palavra mais apropriada seja mais honestamente humanista e meditativo sobre a tragédia do exílio que se incrustou em parte de minha geração. Há exceções e andam escrevendo no “Le Monde Diplomatique Brasil” -- o número de maio é importante para todo aquele que foi condenado ao estranho exílio de perder o sonho humanista de construção de outra vida.

Toda essa desesperança está exposta no filme com o simples nome de Rua Santa Fé. Peguei numa locadora de Vila Isabel e, como vocês sabem (porque já cansei meus amigos de tanto falar), nelas o gosto do freguês tende ao best seller, a oscares, ao terror e a violência. Desconfio que o Ricardo, o dono, comprou errado, porque, ao perguntar quando ia chegar "A Culpa é do Fidel", a funcionária me disse: "Ih, não sei, não. Não sei nem se ele vai comprar", com uma forma de falar assim de gente que não sabe quem é Fidel, muito menos do que o filme se trata, mas de quem tem a mais absoluta certeza de que só eu me interessaria em assistir.

Pois é, se não vai comprar Fidel, Ricardo deveria muito menos ter comprado Rua Santa Fé. Daqui a um mês vai se revelar arrependido, porque eu mesma não vou pegar outra vez, pelo simples fato de que o copiei. Rua Santa Fé de quem a contracapa diz apenas: Santiago, Chile 2007. Por meio de rostos e vozes de sua família, vizinhos e companheiros no exército, Carmen Castillo a viúva de Miguel Enriquez, secretário geral do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) segue um destino que a guia do MIR ao exílio. Dos dias de glória de Allende aos longos e sombrios anos de ditadura de Augusto Pinochet. Acompanhada por aqueles que resistiram e ainda resistem. Entre o caos do passado e as irremediáveis emoções do presente, emerge a história de uma geração revolucionária e de um país quebrado.

Apenas é só um modo de expressar a sensação de desnorteamento com o filme de Carmen, que o narra com voz cansada, voz de uma velha que ainda não é, aliás, ela ainda é muito bela -- e sem nenhum retoque ou filtro -- tom também de alguém que tomou uma injeção de morfina e apenas assiste as pessoas contarem parte da vida que ela viveu.

De quem, para seguir fazendo-o, tem que lembrar apenas do "belo rosto de Miguel no dia em que morreu". Mas, ao caminhar e nas perguntas que faz, com todo o cuidado para não cair no doutrinarismo e na nostalgia , revela seu assombro, sua imensa dor do exílio que não se resume à França -- até porque foi bem-sucedida em esquecer o Chile. Não lembrava nem das Cordilheiras. Para alguns, como Carmen Castillo, o exílio foi imposto para sempre: jamais vai reaver muito mais do que Miguel Enriquez. Estão perdidos os sentimentos, as sensações, o compartilhamento dos dias de Allende. Até a lembrança do que ela qualifica de "sortilégio" (aqueles dias) foi proibida.

É com essa frágil certeza que ela passeia por Santiago, revela seu desconcerto com esse Chile pós-ditadura, neoliberal, Bachelet. "Essa mulher que regressa ao País como se chama?", se pergunta quando 13 anos depois volta ao Chile, por permissão de Pinochet para ver o pai, que estava doente". "Santiago... nada se encontra em seu lugar. Só há um vazio povoado de ausentes. As sombras me envolvem e o medo também, em pleno dia. Só vejo militares, os traidores e a resignação da gente que passa". Ou também: "Voltei ao Chile várias vezes depois da volta de democracia. Nunca nada enfraqueceu meu desejo de viver na França. A arrogância dos vencedores, a impunidade dos criminosos, a amnésia geral me sufoca... Conseguiram os militares apagar tudo?"

Rua Santa Fé 725 é o endereço em que viveu com Miguel até a ditadura de Pinochet os descobrir. É a partir desse endereço que ela constrói mais do que um mergulho na memória dos derrotados, dos ex-militantes do MIR, que se autodissolveu às vésperas do fim da ditadura.

É uma dolorosa, mas ainda assim ( e ainda hoje), uma "melhor canção". Tem imagens nunca vistas dos dias do golpe, pelo menos nunca vistas por nós -- as esconderam até o tempo em que ninguém mais as queria ver. Parece uma grande tragédia, um grande incêndio, com todo mundo correndo e alguém que diz, num depoimento, das lembranças, quase sensações, do barulho das latas de lixo. São imagens bem próximas, que nos dá idéia da resistência desordenada, desorganizada e nos leva a sentir a mesma a surpresa, o desconcerto e a descrença das primeiras horas do golpe de que algo como Pinochet fosse possível. Nesses momentos, Pinochet parecia uma nauseante (e pouco duradoura) rasteira da história. É contado também como se fosse um segredo para alguns, principalmente, quando uma orquestra de crianças toca o hino do MIR ou quando não ganha prêmio algum ou quando conta a história do governo de Allende, mas a partir de uma organização, o MIR, que adotou um "apoio crítico" ao governo de Salvador.

Todos os dias nos comprovam que não há mais espaço para as revoluções. Todos os dias nos dizem que éramos uma ficção. Talvez, sim. Há um depoimento que fala sobre Bautista, um militante, médico que dizia que, dentre todas as renúncias que teve que fazer, a maior era de não exercido a sua profissão. Quem fala lembra que ele gostava de rock e de dançar. "Dançava como nenhum outro mirista. Mas em toda a sua vida não deve ter dançado nem dez vezes".

No Brasil, talvez, uma parte da esquerda até fosse uma ficção, porque foi impedida de viver os dias de construção de um sonho e mais imaginou do que viveu -- como até hoje -- no meio do povo. Não sabe suas dores, não compartilha seus sonhos e acha que é uma imensa legião de famintos, analfabetos, burros, pobrezitos e merecedores de esmola. Simplesmente o desconhece. No Chile de Allende, eles mais do que compartilharam, construíram juntos por um período dolorosamente curto um diabo de um outro país que, de vez em quando, volta a me assombrar.

E se Carmen resiste e não volta nunca mais a viver lá, eu resisto até a visitá-lo, com medo dos ausentes que povoaram meu sonhos. O filme é longo. Eu cometi um erro terrível ao começar a assisti-lo depois da meia noite de sábado. Ele não acabava nunca, nem a minha imensa tristeza de não ter vivido aquele sortilégio, mas conhecê-lo o suficiente para lamentar a sua perda. "Um dos problemas de existir é que eles não existem mais", diz um personagem que até hoje estranha a capacidade de continuar vivendo sem aquelas pessoas excepcionais.


*Rosane é jornalista e volta e meia brinda os amigos com textos comoventes como Meu coração vagabundo e grená (julho de 2008) e Eu quero, além dos sapatos, uma vida que me caiba (dezembro de 2007).


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quinta-feira, 23 de abril de 2009

Feriado prá quem, cara pálida?

Hoje é feriado aqui no Rio. Comemoramos o Dia de São Jorge. Legal, o santo merece.

Mas tem dois problemas: o primeiro é que, como anteontem também foi feriado, a semana ficou muito estranha prá quem trabalhou na 2ª e na 4ª. Mas foi uma maravilha para os que trabalham em algumas escolas, universidades e empresas que esticaram e fizeram um imenso feriadão.

O segundo problema é que no resto do país não é feriado. O que significa dia que quem é prestador de serviço e tem clientes em outros estados não pode dar-se ao luxo de não trabalhar.

O fato do prédio onde funciona o escritório estar fechado não é problema. Afinal, prá que serve a tal da Internet?

O máximo que consegui foi fazer uma caminhada mais longa na Lagoa, nessa linda manhã de outono.

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ataque de pitbull

Fuçando no blog do meu filho paulioca, levei um enorme susto. O post de ontem conta a sua luta corporal com um pitbull para defender seu labrador, que foi atacado. Não, eu não me enganei. Ele se atracou com a fera.

Foi uma briga feia e ele podia ter se estrepado. Felizmente, acabou tudo bem, com o saldo dos dois joelhos ralados e um trauma daqueles. Ele ficou tão estressado que, agora, leva uma faca consigo por via das dúvidas.

Sugiro ler o relato, pois nunca se sabe quando vamos topar com um pitbull ensandecido pela frente. (http://lucasdantas.com)

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Tanto faz como tanto fez

Tomar muitos medicamentos é uma rotina na vida da maioria dos idosos (acima dos 80). É remédio para a pressão, para auxiliar a digestão, para controlar a osteoporose, ansiolíticos... Sem falar naquelas pessoas, como é o caso de minha mãe, que têm doenças brabas e que, além destes, também tomam outros, com muitas reações adversas (o nome atual para efeito colateral).

Depois de ler o release da Agência Notisa, que acabei de receber, fico me perguntando se não é o caso de eliminar alguns deles. Bem, a agência de jornalismo científico (http://www.notisa.com.br) divulgou hoje que um estudo recente mostra que alguns remédios utilizados regularmente por pessoas de mais de 80 anos com problemas cardíacos não parecem ter efeitos na sobrevida em longo prazo.

Reproduzo abaixo o texto, que julgo da maior importância principalmente para quem tem pais vivos e que são usuários de algum desses medicamentos.

Medicações freqüentemente utilizadas em octagenários parecem não ter efeitos na sobrevida em longo prazo
Estudo norte-americano publicado no American Journal of Cardiology concluiu que o uso de certas medicações como diuréticos e estatinas, parecem não aumentar a sobrevida em longo prazo de pessoas com mais de 80 anos de idade apresentando insuficiência cardíaca (HF) e fração de ejeção (EF) preservada. Segundo o artigo, a pesquisa analisou os efeitos de medicações cardíacas comumente utilizadas na sobrevida em longo prazo de pacientes octogenários e EF ventricular esquerda preservada.

“Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada tem uma alta prevalência na população geriátrica, e esta coorte talvez apresente risco de complicações causadas pelo uso múltiplo de medicamentos”, afirmam o autor do estudo Faramarz Tehrani e colegas, todos ligados ao Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles (Califórnia, EUA), no texto publicado.

Ainda de acordo com o artigo, do total de 142 pacientes participantes avaliados durante 5 anos, 98 (69%) morreram ao longo do período, não tendo sido identificadas diferenças significativas nos parâmetros do baseline (início do estudo) em pacientes que morreram comparados aos daqueles que sobreviveram no período.

“Nenhum dos medicamentos pareceu causar uma diferença significativa na sobrevida em longo-prazo, incluindo beta-bloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina / bloqueadores dos receptores da angiotensina II, bloqueadores dos canais de cálcio, diuréticos e estatinas”, destacam.

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quinta-feira, 16 de abril de 2009

M A S T


Se cada doido tem sua mania, a minha atual são as árvores das ruas desta querida e maltratada cidade. Não sei quando, mas um dia comecei a reparar que a maioria das árvores não tem um espaço mínimo de terra em volta do tronco. Há casos, criminosos, de árvores totalmente cimentadas, sem um centímetro sequer de terra.

Como cimento e asfalto não absorvem a água da chuva, as árvores enfraquecem e são um prato cheio para fungos, cupins e outras pragas. Na melhor das hipóteses, não crescem; ou, se crescem, suas raízes arrebentam as calçadas. Na pior, não conseguem resistir a uma ventania mais forte e desabam sobre carros, casas, derrubam a fiação...

Minha reação tem sido caso a caso. Já me peguei removendo, com as mãos, pedaços de cimento quebrados por raízes teimosas. Quando vejo uma obra ou conserto em calçada, eu não resisto. Chego perto e confiro se não estão arrebentando as raízes das árvores e, também, se estão deixando espaço suficiente de terra. Bato um papo com os responsáveis e, geralmente, o resultado é positivo.

Já pensei até em criar o Movimento das Árvores Sem Terra (MAST). As ações seriam bem simples: uma vez por mês, os participantes do movimento alargariam com golpes de martelo ou marrão os buracos das árvores de uma determinada rua. Ah, claro, a imprensa seria convocada para registrar o ato. E, se tiver celebridade, melhor ainda. Dá até TV.

Na foto acima, uma árvore que poderia dar início ao movimento. A pobrezinha fica na rua Capitão Salomão (Humaitá), bem em frente à entrada da garagem rotativa do Centro Médico Botafogo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Páscoa sem culpa

Uma amiga que mora na França mandou um e-mail aconselhando a comer muito chocolate na Páscoa. O motivo, segundo ela, é que a sensação de prazer provocada pelo chocolate é inigualável, segundo revela uma pesquisa que acaba de ser divulgada por lá. A descoberta foi feita através de testes com ratos viciados em cocaína, que, na busca insaciável do prazer, preferiram o chocolate à droga.

De acordo com os pesquisadores, a preferência se baseia no sistema de recompensa e na liberação da dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer. Exames de ressonância magnética mostraram um aumento na liberação da dopamina até mesmo pela simples visão do chocolate. Ou seja, a pessoa é atraída de tal forma pelo chocolate que não pode deixar de comê-lo.

Segundo essa amiga, os doutores, que chegaram a afirmar que o chocolate pode ser até melhor que o sexo, recomendam o consumo regular da delícia, principalmente para pessoas depressivas, tristes e angustiadas.

Diante de tão fantástica descoberta, outra amiga, que também recebeu a mensagem, respondeu em tom gaiato:

“Eba! Tô liberada para uma carreirinha de chocolate...”

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quarta-feira, 1 de abril de 2009

A nova rotina

Acho que minha rotina agora vai ser algo assim: ... tava me preparando para sair, quando o tiroteio começou.

Pois é, hoje de manhã, durante uns 5 minutos, ouvimos claramente aquele som inconfundível de tiros. Tava pronta para ir à acupuntura, que fica exatamente na Siqueira Campos, onde começa a Ladeira dos Tabajaras. Como o caminho passa exatamente pela rota de fuga dos bandidos (no Humaitá), pelo Túnel Velho e pela entrada da favela, cancelei a sessão.

Conferi no online que o tal tiroteio durou 15 minutos e que resultou em quatro traficantes mortos e um ferido. Esse último foi preso aqui perto, na São Clemente.

Até agora, dei sorte, pois o bangue-bangue ainda não me pegou na rua. Por isso, acho também que está na hora de ativar minha conta no Twiter. Pelo menos, acalmo os amigos (uma acabou de me ligar, pois também tinha lido a notícia no online) e o filhote paulioca.
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quarta-feira, 25 de março de 2009

A Rainha

Roberto de Castro Neves*

Na madrugada do dia 31 de agosto de 1997, cheguei em casa voltando de uma festa. Naquela agitação que um pilequinho proporciona, cadê o sono? Como, para mim, televisão é mais eficaz que injeção de Valium na veia, apelei para a droga. Passeando rapidamente pelos canais, o da CNN me chamou atenção: Paris, Pont de l’Alma, as câmeras mostravam o local onde acabara de ocorrer um grave acidente de carro. Acidente de carro? CNN interessada em cobri-lo para o mundo todo? Huum, aí tem coisa – pensei. E tinha. A coisa que estava dentro do veículo acidentado era nada mais, nada menos que Lady Di. Lady Di e seu namorado à época, Dodi Al-Fayed. Aí, se já estava com dificuldade de dormir, mais aceso, fiquei. Alguns minutos depois, veio a informação: Lady Di tinha morrido. Tiete que era de Diana, fiquei chocado. Peguei um copo, entornei uma dose cavalar de whisky. Em seguida, liguei para uns amigos (obviamente para aqueles que tinham estado na festa, e que, portanto, certamente ainda estariam acordados). Até hoje me são agradecidos por aquela ligação.

Isto posto, sempre acreditei ter sabido da morte de Lady Di antes da rainha Elisabeth II. Por que? Porque (calculei) o processo que permite interromper o sono da soberana numa madrugada deveria ser complicado. Complicado e, por consequência, demorado. Que motivos seriam considerados razoáveis para tanto? Guerra nuclear? Invasão do território inglês pelos franceses? Príncipe Charles saiu do armário? A notícia de outra travessura da menina má bem que poderia esperar o sol nascer para ser dada. Por outro lado, quem teria autoridade para fazer esse julgamento? Quem empacotaria a notícia, ou seja, de que forma ela seria dada? Quem, por fim, bateria à porta de seu quarto e, caso a rainha não ouvisse as batidas, quem estaria autorizado a ir até o leito real para cutucar o ombro da soberana e sussurrar aos seus ouvidos: “Alteza... sujou”? Pelas minhas contas, o processo todo, descrito em detalhes no Manual de Operações em seu capítulo “Quando e como acordar a rainha às altas horas”, entre o momento que o telefone bateu no Castelo de Balmoral dando a notícia do acidente e o despertar de Elizabeth, levaria no barato um par de horas.

Nove anos depois daquela noite, entrou em cartaz “A Rainha” [The Queen] do diretor Stephen Frears cujo enredo especula sobre os desdobramentos da tragédia.

Na versão de Peter Morgan, autor do roteiro do filme, a soberana teria sido acordada e informada do acidente antes de ser anunciada a morte da princesa. Assim Elisabeth teria acompanhado pela televisão, junto do marido, da rainha-mãe, comigo e com a torcida do Flamengo, os últimos momentos da ex-nora. Sei não. Pelas razões que expus acima, continuo achando que Sua Majestade só foi acordada depois da notícia da morte da ex-princesa. Quando forem abertos os arquivos da rainha, vocês verão que estou com a razão. Dou a minha cara à tapa se estiver errado.

Mas isso é absolutamente irrelevante. O importante é discutir o que o filme nos ensina sobre administração de crises empresariais ainda que Peter Morgan possa ter romanceado sobre o que aconteceu nos bastidores naquela noite e nos dias subseqüentes ao acidente.

Três dados considerados no filme são tidos como certos e, portanto, não derivam da imaginação do roteirista. Primeiro, com toda certeza, de há muito, a Família Real estava puta da vida com a ex-princesa. Porque se, para o povo, Lady Di popularizou a Família e, de certa forma, humanizou-a, na visão dessa família, o comportamento de Diana, enquanto princesa, vulgarizou a imagem da realeza. E depois do divórcio, quando Lady Di soltou a franga de vez, aí então é que a vaca dessa imagem foi pro brejo também de vez.

O segundo dado concreto é que houve uma constrangedora demora no posicionamento da rainha em relação à morte da ex-nora. Pode-se especular quanto à razão dessa demora. Tudo leva a crer que a soberana não queria de fato participar do evento. No filme, a rainha se escora em razões protocolares: a ex-nora não pertencia mais à família uma vez que já estava separada do príncipe Charles. E não se fala mais no assunto.

O terceiro dado é que a rainha acabou participando das exéquias. Desceu do pedestal e foi até a rua entrar em contato com o povo; permitiu que uma bandeira a meio pau em sinal de luto fosse hasteada no palácio; enfrentou as câmeras de televisão lendo um pronunciamento oficial, - chocho, na verdade, mas melhor que nada – no qual lamentou a morte da ex-nora; por fim, assistiu, cara emburrada, sapo atravessado na garganta, a cerimônia de encomenda do corpo. Enfim, houve uma reviravolta na postura da soberana. Sua Alteza ajoelhou no milho. O que teria motivado essa mudança, na especulação do roteirista, foi uma pesquisa de opinião, trazida ao conhecimento de Elizabeth pelo recém-empossado primeiro-ministro, Tony Blair. Por essa pesquisa, o silêncio da família real teria aumentado a rejeição popular ao sistema monárquico. Noutras palavras, coroa em perigo. Por acaso, Elizabeth II recentemente tinha lido sobre a vida de “Maria Antonieta”. Melhor por as barbas de molho.

O que aprendemos ou deduzimos dessa crise.

(1) Preconceitos e ressentimentos são sempre maus conselheiros na administração de crises. A Família Real estava na bronca com a ex-princesa. Com razão ou sem razão, o fato é que essa bronca impediu a Rainha de tomar de saída a decisão sensata sugerida pelo seu primeiro-ministro, ou seja, fazer uma declaração lamentando a morte de Diana a zero minuto de jogo. O fato de Diana não pertencer mais à Família não poderia ser um obstáculo. Ela era mãe do futuro rei da Inglaterra, by the way. Portanto, Alteza, às favas o protocolo! As pessoas tem preconceitos, mágoas, ressentimentos. As instituições, não os tem. Quem representa as instituições precisa ter isto em mente. Ouviu bem, Elizabeth? O conselho vale também para os empresários. Quando o bicho pega, não adianta perder tempo achando que os consumidores são os eternos insatisfeitos, que os empregados reclamam de barriga cheia, que as ONGs são um bando de maconheiros.

(2) O silêncio é uma das formas mais contundentes de comunicação. Na melhor das hipóteses, o silêncio pode significar respeito. Mas, na maioria das vezes, permite leituras mais desagradáveis: omissão, irresponsabilidade, inveja, desprezo, tô nem aí, arrogância, falta de sensibilidade, baixeza. Em suma, lenha na fogueira.

(3) Nas crises, a demora no posicionamento turbina o problema. A rainha ouviu os políticos, o maridão, a rainha-mãe, o filho, etc. Nas crises empresariais, acontece o mesmo. Antes de pronunciar-se, o CEO ouve deus e o mundo: advogados, relações-públicas, publicitários, a família, os amigos, a cartomante, etc. Ouvir todo mundo não está errado. Aliás, faz muito bem ouvir todo mundo. Aconselhar-se faz bem à saúde. Mas, nessas horas, o processo de consulta tem que voar. Quanto antes posicionar-se, menor o estrago. As vítimas, os lesados, a mídia, a Opinião Pública não podem esperar. Não é, portanto, momento para grandes reflexões filosóficas, do levantamento de dúvidas existenciais. Nem de esperar por ter todos os dados para decidir. Aconselhou-se, se os dados em mãos não são suficientes, complemente-os com a intuição, com bom senso, feeling. Afinal, se está no cargo deve tê-los de sobra. O fato da rainha ter voltado atrás evitou a catástrofe de imagem. Mas, nas crises, o “ antes tarde do que nunca” não é atenuante. Fica sempre na boca do povo o gosto amargo de fel.


*Escritor e consultor empresarial. Se quiser conhecer mais, visite o site www.imagemempresarial.com

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segunda-feira, 23 de março de 2009

Bangue-bangue (em tempo) real

Nesta minha nova fase - vamos admitir, eu era totalmente sem noção do perigo -, consulto o online antes de sair. Fiz isso agora, antes de voltar prá casa. E não é que a coisa piorou?

O pau tá comendo lá na Siqueira Campos e arredores. O tiroteio é intenso e já há 4 mortos. O globoon aconselha a evitar aquela parte de Copacabana.

Vou tratar de ligar para meu irmão, que mora no lado Botafogo do Tunel Velho (que tá fechado). Quando falei na primeira sessão do bangue-bangue, minha cunhada disse que parecia que os tiros eram dentro de casa.

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Bangue-bangue real

Eu e meu marido chegávamos à esquina de minha rua, ontem no fim da manhã, quando ouvimos vários estampidos. Na dúvida se eram ou não tiros, e também como pareciam estar longe, não demos bola e continuamos o nosso percurso. Quando li o jornal, hoje, confirmei que o tal som que a gente ouviu eram realmente tiros, de fuzil, disparados durante um tiroteio entre polícia e traficantes na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Mas um detalhe me assustou bastante: um dos tiros perfurou o telhado de uma casa, numa rua vizinha à nossa, no Humaitá, e por sorte, não atingiu a moradora, que estava colocando o neto para dormir. E nem nós, em nossa despreocupada caminhada.

Como se isso não fosse o bastante, hoje teve repeteco. Quando ia saindo para o escritório, novo som de tiroteio. Só que, desta vez, muito mais forte que o da véspera, uma mistura de tiros curtos e repetidos e explosões, além do barulho de helicópteros e sirenes.

De novo, a confusão chegou bem pertinho, como li no Globo online. Na fuga, os bandidos alcançaram o Humaitá. Dois foram presos exatamente em frente ao prédio onde morava o meu filho Lucas, antes de se trocar o “balneário” pelo “arraial” e se tornar paulioca.

Até agora, eu achava que a violência estava longe. O mais perto que ela chegara foi durante a “guerra” entre os traficantes dos morros Dona Marta e Tabajaras, quando podíamos ver, à noite as balas traçadoras riscando o céu. Eu até curtia descrever o “espetáculo” para os assustados amigos paulistas.

Hoje, a ficha caiu. Como uma bala de fuzil pode percorrer até cinco quilômetros, mesmo em trajetória de subida e descida, um tiro disparado num bairro pode atingir pessoas no bairro vizinho. Compreendi que estou no meio da linha de fogo. Que não dá mais para chegar na janela para conferir se o barulho parecido com tiro – mesmo longínquo - é tiro mesmo, pois corro o risco de ser atingida por ele. Durante o bangue-bangue, pensei apenas em identificar a área mais protegida do apartamento. E lá fiquei, até tudo se acalmar.

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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Mulheres que amam demais

Gladis Costa


Nome de livro, nome de grupo de auto-ajuda, quando a gente vê uma passagem como esta "Mulheres que amam demais" toda mulher sente lá no fundo um aperto, uma dorzinha, uma lembrança atual ou passada, mas dolorida. Porque mulheres que amam demais é tão redundante quanto corintiano fanático, subir pra cima ou descer pra baixo... atire o primeiro balde de lágrimas quem nalgum momento não teve a sensação de ter amado demais e quando a gente fala demais, pode significar tudo, que amou errado, que amou muito, que amou além da conta, que amou a pessoa errada.

Embora tantos poetas e seresteiros coloquem o amor relacionado com coisas legais como paixão, tesão, felicidade, frio na barriga, coração pilhado e outras coisas, para um grande número de mulheres, também lembra sofrimento, dor, ingratidão, frieza, desrespeito, obsessão lágrimas e frustração, muita frustração. Uma constatação dolorosa de tempo perdido.

Se por um lado mulheres que amam demais é pleonasmo, vamos então partir para a generalização total: ouso dizer que os homens são frios. Não como nós somos frias, porque nós não somos frias nunca, podemos 'fingir" que somos frias, "estarmos" frias por algum motivo, mas nunca seremos frias. Seremos sempre sanguíneas, emocionais, apaixonadas, quentes, entregando incondicionalmente nosso corpo, mente e alma para o objeto de nosso amor.

E a partir deste momento, nossa vida vai girar em torno deste objeto. Tornamo-nos um rio que navega sinuosamente por um caminho pré-trilhado, pré-determinado por este sufocante amor, se ele quiser que sigamos à esquerda lá iremos nós, se quiser que paremos um pouco - aguardando algo, um sinal, uma dica, uma instrução, lá ficaremos, quietinhas, como cães alertas aguardando a volta do dono. De prontidão. A família, os amigos, os hobbies, o trabalho, vão para a 3a. divisão. O espaço é prioridade deste homem. Ele é o senhor dos anéis. A ele caberá decidir quando e por quanto tempo nossa alegria durará. Por quanto tempo estaremos definitivamente noutro planeta, vendo estrelinhas, passarinhos e o mundo através de uma lente cor de rosa.

A este homem, para o qual dedicaremos bilhetes, mensagens, presentes e um sorriso permanente no rosto, guardaremos o melhor de nossas atitudes. A vida só fará sentido quando ele estiver por perto, nas redondezas já basta, porque sabemos que em poucos minutos ele estará ali, não o coração, a mente, a alma, o espírito ou qualquer outra coisa não tangível, mas seu corpo, seu braço, suas pernas e braços, e nós, do alto de nosso otimismo ou ingenuidade acharemos que tudo aquilo que estamos vendo é só o resultado do grande afeto que ele tem por nós, apenas a demonstração genuína de algo que ele sente lá dentro, por nós, a concretização de seu carinho, de sua paixão, que de outra forma, ele não saberia como manifestar.

Porque " homem não sabe escrever" , "não sabe mostrar o quanto gosta", "não sabe demonstrar os sentimentos". E por estas e outras, vamos nós fazendo os seus deveres. Colocando palavras em sua boca, terminando suas frases, completando as lacunas que preguiçosamente deixam de preencher. E daí quando finalmente fizemos toda a sua lição de casa, completando com nosso rico trabalho o bordado que representa a nossa vida, formamos uma imagem que afinal de contas, só existe em nossa cabeça. E é neste hora que eles dizem: De onde você tirou tudo isto? E dai você responde: "Mas eu não tirei, só coloquei. Coloquei minha visão do mundo, minha visão de nós dois, minha visão da nossa relação". E pela frieza ou espanto estampados em seu rosto, você sabe que nunca, em nenhum momento foram realmente um casal, apenas uma dupla, dois amigos, que compartilharam alguns poucos e preciosos momentos juntos, nada mais. Para você, foi prioridade. Para ele, uma opção.

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Blog de Alice

A blogosfera acaba de ganhar um novo blog. Trata-se do VersoReverso, criado pela Alice Rossini, colaboradora do Plenidade.
Vale a pena visitar. É só clicar no link ao lado.

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A mulher no metrô

Pedro Ribeiro*

Tomei o ônibus rumo ao trabalho. Saltei próximo da estação da Sé de Metrô, buscando entrar na linha vermelha em direção ao Vale do Anhangabaú. Não fui a pé, afinal era um daqueles dias de chuva, típico da metrópole. Já sentado no trem, abri um livro do Graciliano Ramos e comecei a ler.

Em alguma estação à frente entrou uma mulher humilde, morena, cabelos molhados provavelmente do banho da manhã, meio ondulados e soltos. Braços musculosos e veias das mãos bem a mostra, sugerindo trabalho duro. O rosto, porém, era extremamente delicado. Não percebi qualquer vestígio de maquiagem. Os lábios carnudos, tipicamente brasileiros, revestidos por um baton bege claro, muito discreto. O vestido era simples, com flores estampadas de baixa qualidade. A barriga um pouco maior que o normal para uma pessoa magra. Diria que era um tipo meio barrigudinho, entretanto me atraí por suas curvas.

O casaco, daqueles bem ordinários, descia até próximo da cintura. Não contava com nenhum enfeite. Os pés maltratados com as veias também à mostra. Os calcanhares estavam tampados pela tira da sandália rosa. As unhas dos pés pintadas de vermelho, única vaidade que notei. Uma bolsa de plástico aparentando couro falso estava pendurada pela alça, bem acomodada em seu ombro esquerdo, que, por sua vez, estava à mostra.
Parei de ler Graciliano para observá-la atentamente. Estava apoiada entre a extremidade do banco à minha frente, do lado oposto no vagão, e a beira da porta. Preocupava-se em manter o resto do corpo um pouco distanciado da parede do trem. Devia ter não mais que vinte e sete anos. Bonita mulher, rosto bem desenhado, contudo sem brilho e expressão. Fiquei tentando adivinhar a sua profissão. Arrisquei que fosse uma empregada doméstica, mas pela hora, quase dez da manhã, ou estava atrasada ou tinha outra profissão.
Enfim, fiquei imaginando o suposto segundo emprego. Não conseguia. A sua barriguinha protuberante me tirava a atenção. Vez por outra, pelo balançar do trem, ela mudava a posição dos pés chamando-me a atenção para sua visível inquietação. Estava com pressa. A teoria do atraso voltou-me à cabeça. O metrô estava cheio; logo, tive dificuldades em continuar analisando-a. Talvez isto me tenha feito ser muito chamativo, e ela percebeu o meu interesse.Olhou-me naturalmente. Apertou mais uma vez os lábios e desviou rapidamente o olhar. Outra vez trocou a posição do pé de apoio e passou a mão direita sobre o cabelo. Aproveitou, ainda, para arrumar a alça da bolsa, que teimava em escorregar de seu ombro esquerdo.
Voltei para a leitura do livro. Não consegui. A morena não parava de vir a minha mente. Resolvi voltar a olhá-la. Não a encontrei. Provavelmente descera em alguma estação durante esse meio tempo. Não pude conter certa frustração.Ajeitei-me no banco, curvei um pouco mais a cabeça e voltei ao livro.Desta vez a leitura correu tranqüilamente.
Bom, a moça não perdi, é claro. Está gravada nesta crônica, segundo pareceu sobre minha visão. Porém nunca passará de uma vaga lembrança, que vez outra invade minha mente. Ou será meu coração?

*´Paulistano, estudante, tem 13 anos de talento.
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sábado, 7 de fevereiro de 2009

Maysa, Piaff e eu

Alice Rossini

O que as vidas de Maysa Matarazzo e Edith Piaff tem em comum, e onde as duas histórias que tanto me fascinam e emocionam se identificam?

Artistas talentosíssimas, as duas tiveram, cada uma ao seu modo, motivos tanto para serem equilibradas quanto para possuírem aquelas personalidades irascíveis. Amigos, fiéis e infiéis, dificuldades, decepções, alegrias e tristezas. Quem não as tem? Não pretendo tecer considerações a respeito da biografia das duas, escrevo o pouco que sei e senti, através de quem a fez. A opção pela arte as absolve de qualquer juízo delas que se pretenda fazer.

Piaff teve uma infância conturbada. Órfã de mãe e abandonada pelo pai convocado para a guerra, foi entregue à avó que a criou num prostíbulo. O pouco de amor que teve na infância foi suprido por uma prostituta que afeiçoou-se à futura Cotovia, mas de quem, mais tarde, foi cruelmente afastada. Edith, premida pelo ambiente em que vivia, prostituiu-se. O pai, artista de circo, na crise do pós-guerra viveu, por um período, da beleza da sua voz. Após sua morte, começa a carreira cantando nos cabarés de Paris. Teve várias paixões, mas era inconstante e sequelada pelos sofrimentos da infância. Vicia-se em morfina e era alcoolatra. Estes dois vícios minam sua já precária saúde.

Maysa tinha uma família estruturada, casou-se e descasou-se por amor. Nunca perdeu o respeito e o apoio do marido, seu melhor amigo, com o qual teve um filho que, por mais que as circunstâncias lhes afastassem, mantinham vínculos profundos. Vítima do álcool e apaixonada pela música, teve dificuldades em manter o equilíbrio emocional. Viveu conflitos existenciais intensos, teve muitas paixões, mas um único amor.

Maysa e Piaff, fizeram sucesso no mundo inteiro, quanto mais sofriam mais cantavam e encantavam. Os mesmos que as machucavam, curvavam-se diante de seus talentos.

Poderíamos usar como argumento que ser artista, na época em que viveram, as obrigava a carregar o ônus de enfrentar uma série de preconceitos e, com eles, as próprias culpas por serem diferentes. O estereótipo ao qual se obrigavam a corresponder as levava ao vício, a serem infelizes e viverem à margem dos padrões considerados "normais". O preço que pagaram foi alto demais, corroeu suas estruturas emocionais e físicas. Desistir? Nunca! Sucumbir às pressões apenas apressaria sua destruição.

Mas, e dai? As vidas destas mulheres já fazem parte do passado, e tanto podem inspirar admiração quanto piedade. A beleza de sua arte, o mundo reconhecerá até o final dos tempos. Suas vozes as eternizaram, a música as redimiu.

E eu? Onde, humildemente, insiro-me neste contexto feito de arte, tragédia e sofrimento? Que aspectos das vidas dessas mulheres me fascinam e me mobilizam tanto? A resposta poderia, facilmente, ser a força e a coragem de se assumirem como eram. Ninguém ousava sufocá-las!

Será a resposta tão simples e óbvia assim? Não seriam as tragédias, os tumultos pessoais, as inseguranças, as carências, os sentimentos de inadequação, as insatisfações que tanto me impressionam e me fascinam? Estes sentimentos, afinal, compõem o Mito, e o mito absorve, impressiona e pressiona.

Uma certeza, eu tenho. A trilha musical que acompanha suas vidas, lhe confere uma dramaticidade que vão ao encontro de uma parte de mim que é vazia e órfã de emoções, onde existe um vácuo de definições, convicções, força e beleza, que parecem tornar minha vida sem sentido e às vezes, experimentando a incômoda sensação que o meu mundo cairá a qualquer momento.

Invejo-as! Apesar das vidas difíceis e infelizes que levaram, invejo-as! As duas viveram pouco, se usarmos a métrica convencional para medir o tempo. Mas foram tão intensas! Tanto no cantar, quanto no chorar, quanto no sorrir, quanto no amar, que a sensação que tenho, é que pairam acima das concepções normais de existir e ser. Encontraram o segredo de transcender a normalidade medíocre.

Quanto a mim, instalada no conforto e no desconforto das minhas escolhas, poderia sair por aí, gritando insana, mas lúcida: "Non, je ne renegrette rien"!!!

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sábado, 31 de janeiro de 2009

Marketing ou vaidade?

Anda circulando na internet uma mensagem com duas fotos da ministra Dilma, antes e depois da cirurgia plástica, e o seguinte texto:

O QUE A SIGLA PAC REALMENTE SIGNIFICA?
Peeling Aplicado na Coroa
Programa de Auto-limpeza da Cara
Privilegiar Aparência da Candidata
Programa de Aceleração da Cirurgia
Plástica de Adequação da "Companheira"
Programa de Alavancagem da Candidata
Perfil Aceitável da "Companheira"
Pregas Arregaçadas e Costuradas
Pitanguy Adiante Corrige

Que gente malvada! Será que a cirurgia foi só uma estratégia de marketing? E a vaidade feminina, não conta?

Pode ser. Mas, não posso deixar de lembrar que vaidade não fazia parte dos hábitos da maioria das militantes de esquerda, durante a ditadura. Especialmente as que tinham um nível tão alto de envolvimento como o da agora ministra.

Na verdade, assim que se entrava no movimento estudantil – o jardim de infância da militância -, qualquer demonstração de vaidade era prontamente combatida como “desvio ideológico”. Lembro como se fosse hoje o primeiro contato, em 1969, com as "lideranças” do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. A caloura de minissaia, salto alto e cabelo bem tratado sendo recebida com olhares de espanto e reprovação pelas futuras companheiras, de cabelos desarrumados, rostos pálidos, roupas muito simples e sem graça, algumas tão exageradamente despojadas que calçavam tenebrosas sandálias franciscanas.

Acho que a mudança de layout da ministra tem as duas coisas, trabalho de imagem e vontade pessoal. E ela não é a única a dar um trato no visual; as “jubas” domadas da Luciana Genro e da Jandira Feghali são dois exemplos recentes.

E, a favor da ministra, pode-se dizer que sua plástica foi bem sucedida, pois discreta. O que já não se pode dizer algumas “celebridades” - e isso inclui as da política -, submetidas a tantas intervenções que ficaram com uma pele muito esticada, lábios excessivamente volumosos, um rosto sem expressão e ostensivamente artificial que denuncia a “idade” que tanto querem esconder.

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domingo, 25 de janeiro de 2009

Inveja

Mais uma amiga anuncia que breve será avó. Várias já são.
Na boa, mas rola uma inveja...

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O castigo de Dedina

Alice Rossini

Para minha surpresa, a novela “A Favorita” perdeu a chance de reconhecer como humano e passível de uma análise mais atual, a traição. No caso, a feminina.

Dedina, personagem da bela Helena Ranaldi, vivia um casamento equilibrado e feliz, sob o ponto de vista do marido, diga-se de passagem. Prefeito, e político idealista, comprometido com a causas sociais, deixava-se absorver, exemplarmente, pelos problemas da sua cidade, desconhecendo, por falta de tempo e ranço masculino, os anseios e desejos de sua bela e jovem mulher.

Ela, companheira e dedicada, não esquecia seus deveres de primeira dama. Mas convivia, perto demais, com o melhor amigo de seu marido, vivido pelo não menos charmoso e sensual Malvino Salvador. A proximidade dos dois, a carência de um e a sensualidade machista do outro, acabaram por criar um clima erótico, apimentado pela impossibilidade, uma vez que Salvador era o melhor amigo do Prefeito.

Nós mulheres, por termos mais consciência das nossas carências, facilmente não só as identificamos, como também escolhemos quem pode suprí-las. Sentindo a correspondência do amigo que, covardemente, não só não se afastava mas também não se decidia, Dedina resolveu, como qualquer ser humano o faria, partir para o "ataque".

"Tudo que começa errado termina errado", ja dizia minha avó. Até porque, a força que aproximava aqueles dois era a sexual, mas motivada, como disse acima, pela impossibilidade e pela atração do ser humano pela transgressão. Ja disse Marilena Chauí, "não existiria erotismo se tudo fosse permitido".

Dedina é descoberta, e o roteirista coloca o marido traido como uma vitima indefesa e isenta de qualquer culpa. Nem que fosse pela condução equivocada e egoista do seu casamento.

Flagrada no "pecado" de buscar amor e carinho em braços alheios, nada resta a Dedina, cheia de culpa, senão rastejar em busca do perdão. Detalhe, ela ama o marido e, pelo outro, sente forte atração sexual, que nós mulheres teimamos em misturar com conteudos amorosos, para justificar nossos "deslizes". Aos poucos, reconquista o marido que a ama, mas reincide! Reincide e é colocada para fora de casa, tal qual as mulçulmanas do outro lado do mundo, costumes que nós, civilizados, tanto criticamos. So faltaram o chicote e o apedrejamento

Estes requintes de perversidade foram, metaforicamente, usados pelo amante que a rejeitou, vendo nela a origem de toda sua infelicidade, a perda do amigo e da imagem de bom moço que gozava na cidade.

Desestruturada pelas humilhações e colocada mais uma vez para fora de um lar que a abrigasse, começa como uma louca a perambular pelas ruas da pequena cidade. Povoada por pessoas preconceituosas, mas também cheia de "boas almas", "mulheres bravas e solidárias" vividas pela família do velho comunista Copolla, indiferentes, vem a "traidora" passar fome, dormir em bancos de jardim e ser vítima de estupradores.

Dedina adoece e morre no leito do marido. O ex-amante, igualmente traidor, ainda chega a tempo de ouvir seu pedido de perdão pelos percalços por ela provocados. Como prêmio, refaz sua vida com outra mulher. Na ficção como na vida...

Tratada e castigada como vilã, a Globo, tão complacente com delitos mais nocivos socialmente, perdoa e modifica,de ultima hora, carateres e personalidades, leva o telespectador a lançar sobre fatos do cotidiano um olhar mais realista e compassivo, induzindo-os, muitas vezes, a juízos mais tolerantes, com a Dedina usou de um maniqueísmo absurdo! Nem se deu ao trabalho de tratar o destino da personagem sob o "espírito" do atual Código Civil Brasileiro que, evoluiu para discriminalizar o adultério.

Com Dedina, usou o rigor e o atraso do Alcorão!

... e a salvação de Catarina

Mais uma vez, a novela “A Favorita” surpreendeu. Desta vez, através da personagem de Catarina. Uma dona de casa submissa, cujo tamanho do universo fez com que se submetesse, durante anos, a um marido violento, perverso, machista, que não amava, sequer, os próprios filhos. Como sempre, Lilia Cabral subtrai da interpretação da personagem, qualquer clichê capaz de inspirar no telespectador mais indignação pelo marido que piedade pela mulher, tamanha a grandeza da sua alma e a beleza e a dignidade com que conduz a própria infelicidade.

Sofre, mas não se deixa contaminar por sentimentos mesquinhos. Corajosamente, protege os filhos, libertando-os do estigma de uma paternidade doentia que os torne reféns de uma infância infeliz. Trauma só os necessários. Nunca deixam de apoiar a mãe.

No decorrer da novela, Catarina descobre um homem, simples verdureiro, que através de pretensos bilhetes, na verdade escritos, piedosamente, pelo próprio pai, devolve-lhe, aos poucos, a auto-estima já fragilizada. Paralelamente, começa a amizade com uma mulher, ja dona de um restaurante, que lhe oferece emprego, aproveitando seu, e até o momento, único talento, cozinhar. Tornam-se amigas e sócias e o empreendimento faz sucesso pela qualidade e pelo atendimento.

Sentindo-se útil, a mulher começa a desabrochar. Aceita a corte do verdureiro Wanderley e, durante o rápido namoro, vão para a cama. Descobre o corpo, o prazer, a sexualidade, a normalidade. Abrem-se então, através de descobertas tão instintivas, as infinitas possibilidades que a vida pode oferecer para quem está preparado para experimentá-las. Uma Catarina livre e dona do próprio destino, desmancha o casamento com seu salvador, justamente por ter sido ele quem lhe abriu as grades do cárcere existencial em que sobrevivia.

Foi uma cena tocante, amorosa e respeitosa o final do romance do verdureiro com a ex-dona de casa. Ele também foi tocado pela grandeza daquela mulher, cuja saúde da alma, confessa, teve o poder de torná-lo um ser humano melhor.

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domingo, 11 de janeiro de 2009

O brilho do desejo

Alice Rossini

Fim de Ano. Decidir como passar de um ano pra outro não chega a ser um problema mas ocupa algumas horas de muitas elocubrações, embora, a maioria de nós tenha consciência de que tudo não passa de mera convenção. Está tão fortemente impregnada no nosso inconsciente, que fazemos promessas, apelamos para divindades, mesmo os céticos e, todos os anos, queiramos ou não, cumprimos os mesmos rituais. Tudo continua acontecendo, de bom ou ruim, perdas e ganhos, fatos sucedendo fatos, todos indiferentes ao calendário.
Este ano, mais uma vez, meu marido e eu fomos para um lugar estratégico, onde pudéssemos, confortavelmente, apreciar um dos shows pirotécnicos que acontecem em todos os cantos e recantos do planeta. Há algum tempo, estes shows acontecem, tanto para encantar, quanto para matar: o homem não dá trégua.
Felizmente estávamos na "faixa" em que a pirotecnia estava a serviço do encanto, na Baía de Todos os Santos. Milhares de embarcações, do barquinho a vela às escunas exclusivas ou àquelas compartilhadas por muitas pessoas, todas muito animadas, cantando e dançando, até lanchas e veleiros, elegantes e discretos, tanto no número de convivas, quanto na forma de externar a euforia de adquirir o "direito" viver mais um ano, brigavam por um lugar sob as estrelas.
Embora o mar seja imenso, o ritual requer algumas precauções e a área confortável e segura para visibilidade restringe-se. Ficam todos, barcos, escunas, lanchas e veleiros, muito próximos. Tão próximos que olhos atentos podem perceber expressões de rostos que, embora anônimos, guardam entre si a semelhança que só a esperança empresta.
Embora atenta à beleza da explosão em fogo de mil cores e formas, fico imaginando se, naquele momento, pudessem se materializar todos os sentimentos que fugiam dos pensamentos e, por instantes, aninhavam-se nos brilhos de milhares de olhos voltados para o céu! Ah! Quantos desejos antigos e nunca satisfeitos, quantas saudades nunca aplacadas, quantos fantasias de poder estar vendo tudo em companhia de outra pessoa ou quanta vontade de estar com a mesma pessoa vendo outras coisas. Quantas lágrimas de esperança, gratidão e saudade. Quantos desejos impossíveis, e por isso mesmo, tão carinhosamente regados pelo tempo; quantas recordações amargas que os fogos não podem queimar e quantas lembranças felizes que eles também não podem reacender!
Enquanto o encantamento de formas e cores enfeita o céu que, democraticamente, cobre e acolhe a todos, continua em cada olhar o brilho que o ser humano, enquanto vivo estiver, jamais perderá - o brilho do desejo! Dos possíveis aos impossíveis, dos que podem ser gritados aos que devem ser escondidos, dos que abraçam a humanidade inteira aos que só acariciam parte do nosso corpo. Não importa de qual natureza é forjado. É importante que exista, pois é por ele que vivemos.
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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Um carioca na ex-Iugoslávia

"O Kosovo independente é tão ridículo quanto uma Baixada Fluminense independente.

O nível de desenvolvimento socioeconômico é o mesmo. Pristina é uma cidade curiosa. Lembraria Nova Iguaçu, por exemplo, no tipo de prédios e na forma de urbanização, exceto pelo fato de a arquitetura ser adaptada para lugares com inverno rigoroso. As casas e edifícios têm chaminés e telhados inclinados, sempre, para a neve não acumular tanto. Fora isso, é uma cidade de prédios baixos, ruas largas e pouco decoradas, muito concreto, comércio popular (camelôs e lojas de bugingangas) e vários carros velhos."

O trecho acima é do blog Yugoboy, criado pelo jornalista carioca Pedro Aguiar, que está em viagem de estudos na região da antiga Iugoslávia e arredores. Vale a pensa clicar no link ao lado e acompanhar o que ele define como "um exercício de arquelogia do recente, de etnografia pop e também de jornalismo... num um país que deixou de existir aos poucos entre 1991 e 2008, mas que ainda tem muitas relíquias prontas para serem escavadas."
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