sexta-feira, 23 de novembro de 2012

De volta


Hoje, exatamente um ano após o último post deste blog, recebi uma cobrança de uma leitora: que eu voltasse a escrever. Fiquei feliz e, em homenagem a ela, retomo este espaço, que deixei de lado, por uma mistura de pouco tempo – estou produzindo minha dissertação de mestrado - com falta de coragem para compartilhar as emoções dos acontecimentos – haja coração! É que, em 2012, tive a enorme felicidade de ganhar um netinho e a imensa tristeza de perder um grande amigo. Coincidentemente, os dois com o mesmo nome: Arthur.
Na época dos dois eventos, eu até rascunhei algumas linhas. Mas não fui adiante e elas ficaram lá, no arquivo, à espera de uma oportunidade. Que surge agora, com este puxão de orelhas!

Arthur
Tive um neto. E esperava emoções mil ao ser avó. Como boa geminiana sonhadora, muitas vezes visualizei o momento. Mas, foi diferente de tudo que imaginei. A emoção maior não foi o bebê em si. O amor é um sentimento que cresce a cada dia, junto com ele.
O que me encheu o coração foi ver meu filho sendo pai. Ver meu menino (que quase perdi no final da gravidez), se tornar um pai maravilhoso: babando a cria, atento aos mínimos detalhes, carinhoso com a mulher, responsável, cuidadoso.
Também fiquei muito mexida com a emoção de meu marido, as lágrimas do meu companheiro de vida, ao receber esse neto tão ansiado. E o meu filho mais velho, transbordando de orgulho com o sobrinho (sei que ele também será um “senhor” pai, pois adora crianças). Ver minha mãe e minha sogra, duas octogenárias tristes, agora renovadas com o bisneto. Enfim, minha alegria foi a alegria deles. Talvez isso se deva ao meu ascendente Aquário. Quem sabe...

 ... e Arthur
Nos últimos dias tenho estado às voltas com um enorme volume de papel velho. São centenas de cópias de revistas, jornais e documentos da década de 1970, que utilizei como fontes para a elaboração do livro Guerrilha Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de Informática  (LTC/1988). Volto a eles, tanto tempo depois, por conta da dissertação de mestrado em história da ciência que estou desenvolvendo. Na tarde do último domingo, separei alguns documentos que não consegui identificar a origem. Mas eu tinha certeza que uma pessoa saberia quem eram seus autores e quando tinham sido escritos: Arthur Pereira Nunes. Afinal, além de protagonista daquela história e, possivelmente, autor de muitos daqueles papers, Arthur tinha um conhecimento amplo sobre tudo o que ocorria naquele período e essa visão o tornara a fonte preferida de dez entre dez jornalistas de informática.
Mas, desta vez, ele não poderia me ajudar. Eu não sabia, mas, naquele momento, Arthur passava por uma cirurgia delicada, estava lutando pela vida e, horas depois, perderia a batalha. Mais que uma fonte, eu perdi um amigo querido. 
Era uma vez...
No tempo em que não existia celular, nem internet, em que os computadores ocupavam salas ou andares de prédios, aos quais somente programadores e analistas tinham acesso, o jornalismo de informática era um osso duro de roer. Os jornalistas, contavam-se nos dedos. Mas, com a chegada dos minicomputadores – máquinas do tamanho de um frigobar -, no final da década de 1970, o mercado se abriu não só para um maior número de usuários como para os profissionais da escrita. Foi quando ingressei nessa área, e reencontrei o Arthur.
Eu o conheci em 1969, quando estudava no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, então num lindo casarão na rua Marquês de Olinda, e trabalhava no Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas, ali perto, na praia de Botafogo. Na época, auge da ditadura e da repressão, volta e meia eu levava um susto ao esbarrar, no bandejão da FGV, com dirigentes do movimento estudantil. Que, em tese, deveriam estar clandestinos. Claro que a presença deles ali tinha o dedo, e os tickets, de Arthur, então presidente do diretório acadêmico da Ebap (Escola de Administração Pública), que funcionava no primeiro andar da FGV.
Como muitos militantes, Arthur foi obrigado a sair do país. Morou em Paris e retornou ao Brasil alguns anos depois. Reencontrei-o em 1978; ele, trabalhando no governo (!!!) e eu, repórter de informática. A partir daí, formos construindo uma relação profissional e também de amizade.
Arthur foi um dos heróis do meu livro e a ele dediquei diversas páginas, onde descrevi a sua participação, sempre discreta porém fundamental, nas negociações com a comunidade acadêmica e profissional para a construção da política de informática – e, mais tarde, com deputados e senadores para a legitimação dessa política no Congresso.
Falar dele, agora, é mais difícil. O único jeito é correr os dedos no teclado e deixar sair as palavras que tentam descrever – se é que é possível - a pessoa única que ele foi: o pai maravilhoso de quatro filhos lindos, o grande amigo, o marido amoroso e que surpreendia sua mulher depois de tantos anos de casado. Um amante da vida, que não deixou que a doença fosse um obstáculo para nada. Nem mesmo a obrigatoriedade da hemodiálise lhe tirou um dos maiores prazeres, viajar. Traçava seus roteiros - e assim foi a ida a Paris, no ano passado - a partir da disponibilidade das clínicas de hemodiálise. Mantinha o encanto e a pureza de espírito, porém sem ingenuidade infantil. Aliás, de bobo, não tinha nada. E era extremamente responsável com o trabalho, com seus deveres e com a política, da qual nunca se afastou. Tal responsabilidade lhe cobrou em saúde e em anos de vida.
Para as “Meninas da Informática”, Arthur era a fonte mais querida. Será, para nós, o nosso eterno “Menino”. Como bem definiu a colega Carmen Nery: “Não dá nem para dizer o clichê que ele descansou, porque ele não queria descansar coisa nenhuma. Queria viver e produzir como sempre fez”. (em 16/04/2012)