terça-feira, 10 de novembro de 2009

Fome de viver

Como toda criança, vim ao mundo aos berros. A diferença é que eu não parei de gritar. Enquanto os outros bebês ficavam quietinhos no carrinho em que eram levados para serem amamentados, eu fazia tanto escarcéu que as companheiras de enfermaria de minha mãe avisavam: "Maria, lá vem sua filha".

A medida que crescia, o berreiro foi sendo substituído pela inquietação (hoje chama-se hiperatividade). Sapatos, só para ir à escola; os dedões viviam ralados de tanto chutar o cimento tentando acertar a bola; passava horas em cima de árvores. Naquela época, dizia-se que pessoas irriquietas tinham "bicho-carpinteiro". Eu tinha vários.

Na tentativa de me domar, mamãe fez de um tudo: do livro de boas maneiras ao castigo, a suspensão do lanche toda vez (sempre) que eu ficava enrolando para almoçar, e até o famoso método Piaget de português (o tamanco). Acreditando que eu era encapetada, mandou-me para um colégio de freiras. Onde aprontei muito.

Quando meu filho mais novo nasceu, também berrando muito e com os cabelos em pé, ela comentou, ferina: "Ele vai ser igualzinho a você, que vai passar agora por tudo o que eu passei!"

Não passei. Amei cada capetice daquele indiozinho e do irmão mais velho, embora este tenha sido muito tranquilo na infância.

E, talvez por isso, pela sabedoria da velhice e alguma terapia, mamãe passou a ver com outros olhos a sua filha difícil. Continua contando a história da maternidade, mas agora diz, orgulhosa, que eu gritava porque tinha fome de viver.

Valeu mãe!

5 comentários:

Anônimo disse...

Verinha,
Adorei a sua "fome de viver"
Acredite que eu tb. nasci berrando, só que depois de 3 (três dias e noites inteiras e berros - claro - sem dar sossego a ninguém) minha sábia avó , uma italianinha linda e suave, que foi quem fez o parto, disse pra minha mãe: ela deva tá com fome e me deu uma caneca de leite de vaca, leite puro, da teta. Aí eu parei de berrar,fiquei com meu umbigo "quebrado" - até hoje - e tb. disse pra minha mãe que eu tinha fome de viver.
Acredite, se quiser, e dia 15 está chegando. Adorei. Bjs, Bjs. Carinho sempre, Leni

Alice Rossini disse...

Fome de viver! Maravilha! Fazer as pazes com o passado. Reler atitudes com compreensão e através de nós sentir nossos filhos diferentemente como achavamos, eramos sentidos. Tudo isso são as vantagens da maturidade.
Também fui mãe de um indiozinho, que igual a mim,quando bebê, não me deixou dormir durante quase um ano! Mas, valeu a pena! Ah, como valeu!

Adorei!

Sistem Analist disse...

Oi Vera, gostei muito do seu belo português. Meus parabéns! Preciso de muitos parceiros para botar a bôca no trombone pelos que se conformam com a pouca fome de viver que têem. Estou falando daqueles que contraem malária e tuberculose no Brasil. Digite malária barroso e tuberculose barroso no Google para ler o escrevo sobre os assuntos e concluir que preciso de um coral não cantando mas gritando...prá ver se alguém ouve que todos deveríamos ter muita fome de viver. Wanir Barroso, sanitarista.

BLOG DA MICHELLE disse...

Amei o texto.
Parabéns !
Visite meu blog.
Abraços.

Juliana Desbra Vando disse...

Notei sua fome de viver desde o dia em que te conheci, Vera. Nao perca isto nunca. E vc criou seus filhos muito bem. Sou fa de todos eles. :-)
Beijo.
Juliana