domingo, 13 de julho de 2008

Eu, versão 5.0


Gladis Costa

Aconteceu!

Numa noite eu tinha 49 anos e no outro dia, acordei com 50. Mas não foi só esta a diferença. Houve uma mudança perceptível dentro de mim, que teve início há alguns meses. Na época não conectei as coisas, mas na manhã do meu aniversário aquela angústia mudou, não que tivesse desaparecido, estava um pouco mais suave, como se o sapinho que a gente engole todos os dias tivesse ficado um pouco menor, ou com um sabor mais suave, ou com as perninhas não tão atravessadas, sabe, foi um pouco melhor.

Ninguém me avisou. Minhas amigas, que passaram por esta fase, ou se prepararam para isto e tiveram uma experiência muito agradável ou simplesmente sabiam que a coisa ia ser dolorida, tão doída que na tentativa de me poupar de saber com antecedência o quanto eu sofreria, preferiram nem me avisar. Não as culpo. Eu também faria o mesmo, porque ninguém merece.

O incrível é que todo o ano ficamos mais velhas, mas desta vez, mudam os dois dígitos e isto é que pega. Porque dos 20 aos 30, por exemplo, é a idade das experiências interessantes, dos romances arrebatadores, dos noivados e casamentos, dos 30 aos 40, você está no auge de sua carreira, seu casamento pode ter acabado e as mais felizes e mais rápidas já engataram num outro relacionamento, dos 40 aos 50, você já ganhou algum dinheiro, tem um bom network, as pessoas te conhecem, você exerce um certo papel no seu grupo, na sua família, enfim, se você está só, muitas vezes é por opção, por não querer alguém perguntando porque você demora tanto pra se arrumar, porque não sai do computador, porque fala tanto ao telefone, enfim, muitas vezes é o momento em que você é dona da sua vida, integralmente.

E agora, o que me espera? Dos 50 aos 60? Porque não consigo deixar de me ver dentro de outro grupo. Daquele grupo. Sei que posso ter um espírito jovem, mas o corpo tem vida própria. Ah, mas você dirá, “o que importa é sua cabeça”. Com certeza, mas sua cabeça é racional, lógica, ela é a primeira a te dizer: agora você faz o que você quer, ou melhor, você só faz o que você quer e se você prefere assistir a uma maratona do seu seriado preferido ao invés de sair com suas amigas, por que não? Qual o problema?

E tem os homens, ah os homens... Se experiência representasse alguma virtude para eles, eu estaria bem feliz. Tenho um amigo que costuma dizer: “Se eu quisesse um cérebro perto de mim, casava com o Einstein”. E hoje, do alto dos meus 50 anos, posso dizer com a boca cheia (ou não, na realidade, morrendo de vergonha): a única coisa que eu tenho é um cérebro, que já me deu alguns sustos no passado, hoje superados (e operados)! Porque, admito, estou fora do peso, uns bons quilos, e o pior, não me sinto culpada, não a ponto de pensar: “pôxa, preciso fazer alguma coisa”, só um pouquinho chateada porque nem todas as roupas legais são feitas para as gordinhas, de resto, troco qualquer sessão de academia por um bom livro. Nesta fase, por exemplo, estou encantada com uma autora portuguesa chamada Margarida Rebelo Pinto, que, depois de Marian Keyes, autora de Melancia, tem sido minha companheira de criado mudo. Margarida é uma notável escritora em seu país. Aqui tem uns três livros publicados e o que eu acabei de ler é “Alma de Pássaro”, lindo, sensível, maravilhoso. Bom, mas nesta fase em que me encontro, toda a obra que aborda o relacionamento difícil e conflituoso entre um homem e uma mulher é lindo, sensível e maravilhoso, portanto, há que se dar um desconto. Ela não é tão descontraída quanto Marian Keyes, mas os elementos estão todos lá: o humor, o sarcasmo, a ironia e esta reflexão sobre o mundo masculino e feminino. Eu já li “Não há coincidências” e “Sei lá” e continuo em êxtase. Ela é meio a Carrie Bradshow de Portugal. Carrie é a personagem vivida por Sara Jessica Parker no seriado “Sex and the City”.

Em tempo, já que mencionamos o assunto, assisti o filme "Sex and the City”. Bacana, podia ser mais profundo, aquela superficialidade que se reflete nas preocupações com a roupa, o sapato, a bolsa continuam. Dá a impressão que as mulheres do seriado não envelheceram ou pelo menos, fica a sensação que de que é apenas mais um episódio. Sabe, não fica muito clara a vivência ao longo do tempo que as separou de uma fase para outra. Sei lá, a gente muda tanto, não é mesmo? O que realmente aconteceu com a vida delas? Parece tudo tão simples, tão vazio. Bom, minha opinião.

Enfim, voltando à versão 5.0 de mim mesma. Este desabado é para falar do medo que estou sentindo por ser uma cinqüentona, mas não daquelas saradas, tipo Vera Fisher ou Sharon Stone, não, apenas uma cinqüentona assustada com o que pode rolar daqui para frente, torcendo para que os homens da minha idade me vejam como alguém do grupo, não alguém que já passou da fase de viver um relacionamento porque, “ela é meio coroa, né?”. Que as empresas me vejam como alguém que pode ensinar, por já ter vivido muito, por já ter passado por várias mudanças e que eu mesma, ao me olhar no espelho, veja lá no fundo uma criança feliz, que cresceu, virou uma garota bacana e agora, depois de tanto tempo, tanta coisa vivida, se transformou numa jovem mulher.


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domingo, 6 de julho de 2008

Meu coração vagabundo e grená

Rosane de Souza

Meu coração vagabundo e grená coleciona derrotas. Trago ele hoje nas mãos, o acaricio e, como uma pessoa saudável, o acolho e isolo de notícias do mundo. Não o deixo também saber de qualquer maldade ou piadinha idiota daqueles que sequer entraram em campo. É uma coisa pequena, vocês podem pensar, apenas brincadeiras com um jogo de futebol, mas no fundo mostra aquela parte da sordidez humana que adora ver o outro perder, se machucar. Que se regozija com a derrota alheia. O que se expõe como brincadeira em jogos revela o que se esconde na alma humana em outras áreas não triviais. Mozart soube disso como ninguém.

Algo em mim dizia, e manifestei isso várias vezes, que algo estava muito errado. Os sinais da derrota eram visíveis – meu gorro perdido, ingressos disputados como farinha pouca meu pirão primeiro (essa triste qualidade dos miquinhos amestrados da classe media) e, para culminar, os microfones do Maracanã aberto às idiotices big brodianas de Pedro Bial. Era, certamente, uma festa das celebridades cultivadas na pira da mediocridade. O, meu Deus, se tivéssemos pelo menos 10% dessa garra de torcer por um clube voltada para o nosso País, com certeza, viveríamos em um que nos desse orgulho. Até me emocionei com a faixa dos equatorianos: Gracias Equador. Sei que, hoje (não hoje, 3 de julho, mas nos dias atuais), eles têm do que se orgulhar.

Só uma coisa perturba hoje o meu coração grená, apaixonado e esquizofrênico, aquele que assiste impassível o que lhe dói, como se nada lhe dissesse respeito. ( Afinal, tenho muito trabalho a fazer). Eu fui assistir o jogo no Planeta do Chopp, na entrada da 28 de Setembro, por ser perto do Maraca. Dali, podia ver, e vi, as belas lágrimas verde e grená transvertidas de fogos. Quase podia tocar meu pai, o velho Chico que nunca foi Francisco e recebeu esse apelido por insondáveis caminhos só existentes em Salvador. Podia ouvi-lo, de novo, claramente e com o mesmo fascínio infantil, me dizer:”lembre-se: tricolor é tricolor em qualquer lugar. Aonde for, seja qual for o lugar que escolher para morar, tenha um time tricolor para torcer e sofrer as dores e as alegrias de ter três cores em seu coração”. Meu coração virou um arco-íris azul, vermelho, verde, grená e branco. Todo jogo é um reencontro com meu pai.

Na hora dos pênaltis, resolvi sair. Disputa de pênaltis sempre foi uma loteria pra mim – e jamais ganhei algo com ela, nem reles dez reais. Mas, no caminho, encontrei um homem , que, na imensa fragilidade da noite de ontem, me disse que ia ao mesmo barzinho onde assistia todos os jogos ver a disputa de pênaltis. Era seu amuleto. O carro, me disse, deixou na rua 8 de Dezembro, rua, aliás, onde moro. Até tentei convencê-lo a deixar o carro por lá – me disse que morava em Jacarepaguá. Mas me assegurou que não ia pela serra, escolheria outro caminho mais plano e chegaria em casa, apesar dos incontáveis chopps que tinha tomado. Fui com ele até o bar, ele pediu uma cerveja, fizemos o brinde dos assustados e, depois de tantos pênaltis perdidos (assim como qualquer esperança), disse que ia embora, deixei a minha parte da cerveja na mesa e sair, com medo do caminho que, sabia, teria de enfrentar até em casa – e enfrentei: fogos ameaçadores, gritos de um mengo que não vi em campo e até do medíocre Obina.

Meu coração, que não agüentou um só dia de um solene voto de só cuidar de si mesmo – depois de assistir tantos exemplos de farinha pouca, meu pirão primeiro – insiste em me dizer: não devia tê-lo deixado só. Aquele brinde, silencioso, pode muito bem ter sido o último que você fez com ele. Espero que não, mas o vi sequer perceber que falei com ele, que deixei o dinheiro. Olhava, estático, como se não acreditasse no que via, o gesto de silêncio que o mais novo escravo-alegre do futebol europeu fazia para a torcida tricolor. Não, não devia tê-lo deixado só. Meu coração vagabundo, grená e apaixonado não consegue se desvencilhar dos caminhos da solidariedade humana.

*Rose, jornalista, é baiana e, claro, torce pelo Bahia desde que nasceu. Mas, como boa geminiana, e seguindo os conselhos do pai, abriga o Fluminense em seu coração.


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