quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A revolta do gato

Acabo de receber de uma amiga, que sabe que a-do-ro bichos, e gatos em particular, um vídeo bem engraçadinho. E, a meu ver, justíssimo.
Claro nem me passa pela cabeça fazer campanha pela mudança da música Atirei o pau no gato. Isso é coisa para o grupo dos politicamente corretos, do qual não faço parte.
Mas que o gato tem razão, lá isso tem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Karman

Os mais novos, que não conhecem o mundo sem celular ou internet, também não conseguiriam imaginar a dificuldade que era sacar, depositar ou transferir dinheiro há pouco mais de 30 anos. Para sacar qualquer quantia, era necessário preencher um cheque, ir até a agência (não podia ser qualquer uma, tinha que ser a agência do emitente), enfrentar uma fila imensa* até chegar à boca do caixa; lá, esperar que o caixa conferisse a assinatura do cheque em um livro e, depois, o saldo da conta na ficha (de papel) do cliente. Detalhe importante: isso só podia ser feito nos dias úteis, no horário bancário. Sem falar que não existia doc e a simples compensação de um cheque de outra praça levava vários dias. Hoje, tudo isso é trivial para a maioria das pessoas e pode ser feito em poucos minutos, por internet, telefone ou terminais de auto-atendimento (ATM), em qualquer ponto do país. Pois muitas dessas facilidades se devem a um dos pioneiros da automação bancária no país: Carlos Eduardo Correa da Fonseca, o Karman.

Karman faleceu no último dia 28, vítima de um câncer de pâncreas. Sua morte não foi notícia, a não ser em veículos especializados como é o caso da newsletter Decision Report (http://www.decisionreport.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=10113&sid=1).

Karman dedicou toda sua vida profissional à automação bancária. Tinha um entusiasmo contagiante. À frente da Itautec, foi responsável por inovações tecnológicas como os ATMs, e pela implantação da primeira agência automatizada do país, em São Paulo, batalha arduamente disputada com o Bradesco. Transcrevo a seguir um dos episódios mais marcantes dessa briga, que tive o orgulho de descrever no livro “Guerrilha Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de Informática” (LTC/1988).

Ao contrário do Bradesco, que preferiu participar minoritariamente em três empresas industriais (Cobra, SID e Digilab), o Itaú decidiu, seguindo o exemplo do Citibank norte-americano, criar sua própria empresa para desenvolver e fabricar seus sistemas: a Itautec. Ela herdou a experiência de uma equipe de engenheiros do banco que, desde 1977, chefiada pelo analista de sistemas Carlos Eduardo Correa da Fonseca, o Karman, dedicava-se a projetar alguns equipamentos, como uma interface para ligar os computadores do Banco à rede nacional de telex. Projeto este, aliás, que um escritório inglês de consultoria concluiu ser inviável, apesar da comodidade que ofereceria aos clientes, permitindo-lhes acesso às suas posições de cobrança de títulos através do telex. Em seguida, o grupo de Karman projetou um terminal-caixa, terminais administrativos, o terminal de saldo e de extratos e microcomputadores. Some-se a isso o grande investimento feito escrevendo-se os programas dos sistemas de gerenciamento de redes, de banco de dados e outros necessários ao processamento on-line.
A competição entre o Itaú e o Bradesco foi ferrenha. Para descontar o avanço do Bradesco no desenvolvimento de sistemas on-line, o Itaú trabalhou duro, com o objetivo de ganhar a corrida para a instalação da primeira agência automatizada. O grupo de Karman projetou um sistema-piloto simplificado, com terminais ainda em fase de protótipo, implantado na agência Jumana, na zona do Mercado, em São Paulo. Um dia, Karman convidou Francisco Sanchez, do Bradesco, para conhecer a experiência. Este elogiou, achou bonito mas não se deu por vencido: "Agora você vai ver a nossa agência!" exclamou com orgulho. E o levou, de helicóptero até a Cidade de Deus, onde lhe apresentou um sistema completo e sofisticado, terminais com design definitivo, leitora de caracteres magnéticos e outros equipamentos. Karman sentiu um frio no estômago. Saiu da sede do Bradesco convencido de que seria difícil vencer a corrida, mas decidido a tentar alguma solução. Aquilo não podia ficar sem resposta!
Dias depois, Setúbal e outros diretores do Itaú também visitaram a agência central do Bradesco. Ao regressar, obrigaram o orgulhoso Karman a suportar uma avalanche de broncas e cobranças. O pior é que Setúbal, como Karman temia, se deixara impressionar com o pequeno vídeo do terminal-caixa do Bradesco (o do Itaú dispunha apenas de um simples visor alfanumérico), sendo difícil lhe explicar que, voluntariamente, a Itautec descartara aquela opção por achar que o operador de caixa, bastante treinado e sabendo todas as operações de cor, não precisaria de informações no vídeo, bastando-lhe conhecer os códigos e valores. Já os clientes, sim. Acicatado por Setúbal, Karman mandou projetar um terminal de cliente bastante atraente e com todas as facilidades. Foi uma correria para criar o novo produto, aperfeiçoar os existentes, melhorar o desempenho do sistema e tentar, mais uma vez, sair na frente do Bradesco. Até porque a agência da Cidade de Deus destinava-se mesmo a impressionar os visitantes, atendendo tão somente aos funcionários do banco, e não ao público. Os dois lados se empenharam na disputa. Sanchez apertava Cardoso, na SID. "Tem que andar!". Na Itautec, todos corriam feito loucos.
Setúbal decidiu que, para fazer bonito, o Itaú começaria a se automatizar pela sua maior agência, a Central. "E vamos fazer uma festa!", garantiu. Convidou autoridades, banqueiros, os titulares da SEI e conseguiu inaugurar o sistema, uma semana antes do concorrente. Karman fez questão de ciceronear Sanchez que, polidamente, fora prestigiar a festa. "Eu sei que você conhece tudo. Mas tem uma novidade", deliciava-se enquanto mostrava a Sanchez o original terminal de cliente, operado a toque dos dedos diretamente na tela.
*Parece que não há automação que acabe com as filas. Mas isso é outra conversa.

Caminhada na Lagoa

Caminhar na Lagoa é uma caixa de surpresas. Esta semana, por exemplo, fui da indignação ao encantamento. A indignação foi por presenciar o corte de árvores no Parque dos Patins. Árvores novas e saudáveis foram eliminadas para, segundo um funcíonário da Prefeitura, deixar o lugar mais claro e sem esconderijo para desocupados e bandidos. Em vez de atacar o problema da segurança, é mais fácil culpar as árvores.

Mas, para compensar, quando terminava a caminhada de hoje, deparei-me com uma cena enternecedora: uma capivara fazia sua refeição perto da margem. Grandona, de pelo cinza claro, comia calmamente a graminha, indiferente aos inúmeros caminhantes e ciclistas, que pararam para apreciar, e fotografar, a bucólica cena.


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nenen

Um estudo realizado há alguns anos revelou que a dor mais forte que o ser humano pode sentir é a perda de um filho. Concordo. E concordaria mesmo sem ter lido esse estudo, pois já vivi essa terrível experiência.


Mas o que a “diferencia” das outras dores, além da intensidade devastadora inicial (início que pode durar até anos)? É a permanência. A terapia ajuda a curar as feridas, a elaborar a dor, a continuar vivendo. Os outros filhos te enchem de alegria. Mas, mesmo com tudo isso, basta um pequeno detalhe para você sentir, nem que seja por um pentelhésimo de segundo, aquela dor de novo. Eu nunca mais pude ouvir “Pedaço de mim”, do Chico. Simples assim.

Neste momento estou muito triste. Minha gatinha, Nenen, morreu nesta madrugada. Tenho quatro gatos, mas a Nenen era especial: miúda, delicada, carinhosa, adorava um chamego. Nem parecia gato, pois eles, em geral, são meio ariscos; só se aproximam quando querem.

O que tem a ver a perda de um filho com a perda de um bicho? Tudo, pelo menos para mim. Pois os meus gatins são também como filhos. E, no meu sofrimento, não há dor relativa. Ela é sempre absoluta.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Aos 60

Conheci Rose quando morei em Salvador, há trocentos anos. Fomos focas na Tribuna da Bahia, mas apenas colegas. Voltamos a nos encontrar no Rio, trabalhamos juntas de novo e nos tornamos amigas de infância no grupo das Meninas da Informática*.

Rose é escritora. O livro está a caminho, no seu tempo. Seus textos, como a mensagem que acompanhou o convite para o seu aniversário, hoje, são sempre lindas, preciosas. Com a permissão da aniversariante, eu a compartilho com vocês.

"Aos quase 60, sei que nem posso ser mais A Bela Adormecida, de Adélia Prado, aquela que aos 50 ainda declarava ter 18 anos, incompletos. Muitos menos, escolher ou trocar de profissão. Na verdade, nem mesmo queria outra coisa além de escrever, escrever, embora isso faça doer um bocado.

60 anos é diferente de qualquer idade. É mais densa, e só não muda muito em relação aos 50, porque já me acostumei , desde há muito, a não me reconhecer nas fotos.

Deve ser o cansaço que toma o lugar de tudo e me vira outra.

Aos 60, você repara muito mais em tudo, como criança, com a diferença de que é um olhar de quase adeus. Sem nenhuma tristeza ou traço de melancolia, digo que 60 se caracteriza pela falta de projetos de longuíssimo prazo (sonhos sempre hão de haver), do será será - o que seria já é, os filhos já são do jeito que deu (um, de você nada herdou. Outro foi viver sua vida, como o fizemos, sem remorso e sem olhar pra trás)- e se torna engraçado qualquer cigana querer predizer o se futuro .

60 é observar tudo, pássaros, flores, cidades, paisagens e os amigos, com olhos de quem, um dia, nem lembrança de tudo isso terá. Vida que segue, e a coisa mais "muderna" dessa vida é envelhecer, como diz Arnaldo Antunes. Se esquecerem meu nome, podem me chamar de velha gagá."

Rosane de Souza

* Jornalistas que criaram a imprensa especializada em informática no Brasil, na era do bit lascado. Quando ainda não existiam PCs, redigíamos em máquinas de escrever Olivetti ou Remington (hoje peças de museu) e um computador ocupava um andar inteiro das empresas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O que faz sentido para emagrecer?

Cristiane Marques*


Tendenciosa.

Em uma palavra podemos resumir a matéria da revista Veja (Ed. 2205, Ano 44, no. 8) dedicada à audiência publica realizada hoje pela Anvisa sobre a proibição de medicamentos anorexígenos. A matéria em nada se diferencia do discurso médico sobre a obesidade. Sua obstinação em enquadrar a obesidade como uma doença que precisa ser medicada é impressionante. Os argumentos devidamente alinhavados expõem as contradições pertinentes a esse campo em que o “ritmo metabólico mais lento” e “desequilíbrio químico cerebral” passam a ser objeto de intervenção como se houvesse remédio para os limites que a biologia nos impõe. Se a obesidade é fator de risco para problemas cardiovasculares, diabetes e câncer entre outros o seu tratamento com os medicamentos anorexígenos também coloca riscos. E o maior deles talvez não sejam as complicações cardíacas, mas seu uso continuado que gera dependência não só química, mas principalmente psicológica, e o aumento de peso que advém com a suspensão do uso do remédio. Se para não cair no risco de uma dependência causada pelo uso por um período longo é preciso abrir mão dos efeitos de emagrecimento que o remédio proporciona, então “qual é o sentido” usá-los? Sim, o risco vale à medida em que incita uma peregrinação em busca do novo remédio ou médico responsável pelo emagrecimento de 10 entre 10 beldades midiáticas.

Se a possível suspensão dos medicamentos anorexígenos é um “retrocesso ao tempo em que os gordos eram vistos como desleixados, preguiçosos e sem força de vontade”, qual é o sentido oculto na veemente afirmação de que a obesidade é uma doença e precisa ser tratada por um médico que terá o remédio para o seu mal? A medicina ainda não descobriu “os complexos mecanismos que levam uma pessoa a ser obesa independentemente de seus hábitos”, por que talvez essa distinção não seja possível. Os médicos ameaçados de perder os poucos artifícios que garantem sua hegemonia no crescente mercado das dietas se vêem encurralados, apoiando-se em revisões científicas ultrapassadas onde a “eficácia” é atestada em seus efeitos imediatos e não os de longo prazo. Sim, a Anvisa não precisou de um estudo científico controlado de “cinco décadas” para afirmar que os efeitos dos medicamentos anorexígenos não valem o risco colocado pelas “341 reações adversas” descritas: no Brasil, país onde esses medicamentos vem sendo usados a critério dos médicos, o percentual de homens obesos passou de 2,8% para 12,4% (mais do que quadruplicou!) desde 1974, enquanto a taxa registrada entre as mulheres dobrou de 8% para 16,9%. Introduzir um paciente num movimento corporal cíclico de engordar e emagrecer cujo saldo é na maioria dos casos um incremento de peso é um tratamento eficaz?

Quem ignora o quê? A revista Veja, sem dúvida, ignora o “caráter ideológico” da recusa médica de “medidas regulatórias” sobre suas intervenções. Aqueles que defendem o uso desses medicamentos ignoram seus efeitos nefastos, seus médicos irresponsáveis e as lacunas em seu próprio “conhecimento científico”. A população em geral e os pacientes obesos especificamente, por sua vez, ignoram a possibilidade de encontrar outras formas de enfrentamento da obesidade que não seja sua medicalização.

Rigor. Essa é a palavra de ordem para pensar a questão da obesidade e do uso de medicamentos para o seu tratamento. Dizer que se um “homem com um estilo de vida impecável acrescentar 1 colher de chá de arroz estará 7 kg mais gordo ao fim de cinco anos” é uma barbaridade! A matemática é precisa e não admite esse tipo de projeção. A relação entre um evento e o outro não guarda uma correspondência direta.

Em tempo, justificar a necessidade de manter a licença para o uso de medicamentos anorexígenos em função de que sua proibição promova uma incitação ao “comércio ilegal” de medicamentos é minimamente condicionar uma distorção ética à impossibilidade do estado reprimir a ilegalidade. Nessa linha de raciocínio, deveríamos repensar a liberação de outras drogas?

*Cristiane Marques é psicanalista

OBS: Embora eu, pessoalmente, seja contra a proibição de qualquer coisa - e isso vale para qualquer droga - gostei muito do texto da Cristiane. Seus argumentos são sólidos, pois baseados em sua longa experiência em psicoterapia voltada para a obesidade.