sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

The party is over?

Gustavo Teixeira*


O fenômeno da imigração de brasileiros para os Estados Unidos vem enfrentando a cada ano barreiras mais significativas. Depois de dois mandatos de um presidente que sequer colocou em pauta uma séria discussão a respeito da legalização de estrangeiros no país, e do progressivo aumento do número de policiais americanos guardando a borda com o México, um outro obstáculo – este mais difícil ainda de ser vencido, segundo especialistas – se coloca no caminho: a recessão da economia americana. Para os brasileiros, este fenômeno que os economistas tentam explicar com análises complicadas e linguajar difícil é entendido de forma muito simples: menos trabalho e dólar cada vez mais baixo em relação ao real.

Anos após anos de chegadas freqüentes de brasileiros em cidades mexicanas para tentar a famosa peregrinação do deserto, parece que a onda agora vai em sentido contrário: quem está fora está cabreiro de entrar; quem está dentro não vê a hora de sair.

Quando cheguei aos Estados Unidos (Boston-MA) em fins de 2003, o clima era outro. Ao encontrar compatriotas e lhes perguntar há quanto tempo estavam aqui, eram comuns respostas do tipo “semanas”, “meses”. Hoje, é digno de prêmio quem encontrar brasileiro aqui que tenha o mesmo tempo. E a frase que provavelmente mais ouço de brasileiros é: “Lembra de Fulano? Está de malas prontas de volta para o Brasil!”

O fato é que emprego (principalmente para ilegais) está cada vez mais difícil e a mágica de transformar dólares em reais e em qualidade de vida para os familiares no Brasil a cada dia mais sem cartas na manga. Uma famosa rede de “breakfast” na região da Nova Inglaterra que era porta de entrada certa para brasileiros recém-chegados, a Dunkin Donuts, decidiu parar com as contratações de ilegais. E os suados dólares de compatriotas nestas condições hoje se revertem nas casas de câmbio por valores que há tempos não se via.

A última ficha será lançada nas próximas eleições, já que tanto o senador Obama quanto a senadora Clinton, pelo lado democrata, enfatizam a necessidade urgente de um plano de legalização de imigrantes. O temor parte de uma possível vitória republicana, o que selaria de vez o sonho da imigração. Neste caso, é colocar o matulão nas costas e se mandar no primeiro pau-de-arara com destino ao sul do Equador porque a “party is over!”

* Gustavo Teixeira é um zé-ninguém e tampouco pretende ser alguém na vida!!!


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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Toques da dança

Vera Dantas

Embaixo do meu escritório tem uma estação de metrô, mas eu prefiro o ônibus para voltar para casa. E sempre procuro sentar do lado esquerdo. O motivo é que em frente ao primeiro ponto da rua São Clemente tem uma famosa academia de dança de salão. A frente do sobrado é totalmente envidraçada no térreo, o que permite a todos que passam ver, por alguns minutos, os pares deslizando pelo salão Aqui abro um parêntesis: é claro que naquela sala do térreo só tem fera; as aulas das turmas que ainda estão nos passos iniciais do tik-tik-tum (samba) e tum-e-tum (bolero) devem ser dadas em outras salas.

Com o pescoço esticado, fico vendo a movimentação da academia, enquanto o ônibus está parado. É um momento rápido, mas que mexe muito comigo. Isso porque desde que comecei a fazer aula de dança de salão, há cerca de dois anos, sou apaixonada pela prática. E agora, que fui forçada a parar por um tempo, fico com inveja, um olho comprido...

Sempre gostei de dançar. Aprendi o dois pra lá-dois pra cá quando era adolescente, nas festinhas familiares. Depois, quando surgiu a onda disco, me esbaldei. Mais tarde, fiz algumas tentativas para voltar à dança de salão, mas logo desistia. Um dia, estava fazendo musculação na academia quando olhei pela janela (ela de novo) e vi que na sala ao lado tinha um grupo fazendo uns movimentos dançantes em frente ao espelho. Era a primeira aula de dança de salão da academia. Corri para lá, entrei na aula e só sai quando a turma acabou, em meados de 2007.

Convidei meu marido que, por um tempo, fez aulas com a turma. Gostamos tanto que decidimos fazer aula particular com o professor, Erik, aos sábados. Mal sabíamos que, mais que uma mera aula de dança, estávamos fazendo uma verdadeira terapia. Foi um período cheio de descobertas, algumas deliciosas, outras um tanto ou quanto incômodas.

Muito da personalidade das pessoas se expressa através da dança. A postura, os passos, o (ou a falta de) equilíbrio, a colocação das mãos, a atenção à marcação e outros detalhes desnudam comportamentos, vícios, medos, insegurança, impetuosidade, desleixo. E por aí vai.

Há quem avança e não deixa espaço para o parceiro; alguns cavalheiros que apertam muito o braço da dama, como se ela fosse fugir; há damas que não se deixam conduzir, que se antecipam ao movimento do cavalheiro; há o ansioso, que não relaxa; há quem não aceite crítica do professor, fica amuado; e há também aquele que quer ser o centro das atenções...

No nosso caso, o início foi muito difícil. De vez em quando rolava um clima meio nervoso, que o Erik, com muito bom humor, conseguia reverter. Uma vez ele deixou escapar que muitas vezes, quando saía para dançar com sua namorada – uma super dançarina, professora-assistente da tal academia bonita e famosa -, eles acabavam brigando. Afinal, eram de academias com estilos diferentes e um sempre achava que o outro estava errado.

Bem, voltando ao casal, aos poucos fomos pegando o jeito da coisa. E, à medida que progredíamos, começamos a relaxar, a brincar com os erros. Curtíamos muito a aula. Mas o melhor mesmo era quando ela acabava. A sala voltava a ser só nossa e o baile começava.

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O assistente da gerência

Vera Dantas

Você precisa falar com o gerente de sua conta para resolver algum problema ou tirar uma dúvida que o atendente do bankfone não consegue esclarecer. Você disca o número da agência. Em vez da atendente habitual, uma voz eletrônica lhe dá boas vindas e pede, para agilizar o processo, que você digite o código da agência, o número da conta corrente e a senha. Feito assim, surge uma voz humana:

- Agência Xis, boa tarde, em que posso servi-la?
- Eu quero falar com o meu gerente, fulano de tal...
- Eu sou assistente da gerência, posso ajudá-la em algo?

Nas primeiras vezes em que isso aconteceu, eu relatei o assunto, mas a pessoa do outro lado da linha dizia não ter autonomia para resolver aquele determinado problema e informava que o gerente faria contato comigo. Eu ficava esperando, esperando, e nada.

Depois de algum tempo reclamei pessoalmente com o gerente. E, pasma, fiquei sabendo por ele que o tal assistente da gerência não existe. Que, na verdade, não existe sequer uma central telefônica com uma operadora na agência. Você é do Rio, mas é atendido, em um call center em SP, por uma pessoa que não tem nenhuma ligação com a agência. Se o gerente está ausente ou ocupado com outra ligação, você deixa nome e telefone para o retorno. Mas, muitas vezes, o tal “assistente” passa os dados errados, o que impede que o gerente saiba quem ligou. E, portanto, não pode retornar.

Eu não tenho nada contra a tecnologia, pelo contrário, pois foi a minha fonte de vida como jornalista durante muito tempo. Mas acho que ela existe para dar mais qualidade a um produto ou serviço. O que acontece, na prática, é o contrário do que apregoam os orgulhosos diretores de TI. O banco economiza reduzindo o número de funcionários na agência, contrata um sistema de telefonia “de última geração”, que “otimiza” o atendimento. Só que este torna-se cada vez mais impessoal, mecânico e, o que é pior, não presta o serviço aos usuários, que deveriam ser os maiores beneficiados com os investimentos tem tecnologia.

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O porteiro peladeiro

Vera Dantas


Imagine a situação inusitada. Um jovem estudante brasileiro, auto-exilado em Paris nos idos de 1970, recebe uma providencial oferta de emprego: ser porteiro de um cinema. Feliz com o reforço financeiro numa época de vacas magras, ele não hesitou em aceitar. Nem lembrou do ditado “quando a esmola é grande, o santo desconfia”. Só que ele não sabia a grande saia-justa que o esperava.

O protagonista é o Arthur Pereira Nunes, colaborador do Plenidade. E a história, ele conta com todos os detalhes* em seu blog Baú Digital, cujo link está na coluna ao lado. É diversão certa.



*Eu gostei tanto do episódio quando o ouvi pela primeira vez, que inclui um resumo no meu livro “Guerrilha Tecnológica”.

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Amizade insone

Gal Pinchemel*



Ultimamente, tenho tido insônia pontualmente às 3 horas da madrugada. Na briga com o travesseiro, entre uma oração e uns carneirinhos contados, invariavelmente um pensamento surge: a amizade verdadeira.

Penso no ditado "amigos se contam nos dedos". Será que posso mesmo contar com esses poucos? Aí lembro da música do Milton Nascimento que diz que "amigo é coisa prá se guardar trancado a 7 chaves dentro do coração". Sinceramente, eu tranco todos eles no meu coração. Mas será que a recíproca é verdadeira? O pensamento progride: "até que ponto devo mantê-los do lado esquerdo do meu peito?"

É claro que há um motivo para a insônia e os pensamentos recorrentes sobre o tema amigos. É que, recentemente, chegou ao fim uma amizade que eu julgava eterna, tipo "até que a morte nos separe". Senti-me como se uma parte do meu corpo tivesse sido arrancada. Confesso: entrei em parafuso, me descabelei (fico imaginando o que teria acontecido se eu não tivesse a preciosa ajuda da terapia).

O sentimento atual é uma mistura de vazio e decepção, embora uma reaproximação já esteja acontecendo. É que eu sinto que, como um vaso que quebra, nunca mais será igual.

Voltando às minhas divagações noturnas, estou questionando se existe mesmo uma relação de amizade verdadeira. Se existe aquela pessoa que podemos considerar um irmão; aquela pessoa para quem contamos nossos segredos mais bem guardados; aquela pessoa que nos faz sentir que nunca estaremos sozinhos; e que nos estimula a fazer tudo por ela.

Não sei se sou muito exigente, mas é que, para mim, um amigo é a extensão da nossa alma.

*Gal é artesã, baiana e mora no Rio.


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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O cachorro

Gladis Costa*

Conversa de três mulheres na faixa dos 45 anos, durante um almoço:

- Marta: E aí, meninas, como estão as coisas?
- Val e Ju: Ah, tudo em ordem!
- Marta:Tudo em ordem, como? E os rapazes?
- Val: Que rapazes? (retocando o batom)
- Ju: É, que rapazes? (dando um gole na cerveja)
- Marta: Oras, os meninos, os caras, como andam as coisas?
- Val: O único homem que frequenta minha casa é meu filho. E cada vez menos, agora que arrumou uma namoradinha. (Revirando os olhos.....)
- Ju: É, bom, eu meio que tenho visto o Beto (olhando distraidamente para o fundo do copo)
- Marta: O Beto, aquele Beto, aquele casado salafrário que não vai separar da mulher e que já te largou milhões de vezes?
- Ju: É... este aí.
- Val: Mas a troco de quê? Vocês voltaram?
- Ju: Bom, a gente nunca terminou, oficialmente.
- Val: Mas oficialmente mesmo, do que você precisa? De um anúncio no jornal? Um outdoor? Uma intimação para sair da vida dele? Porque todo mundo sabe que ele não dá a mínima pra você....
- Marta: Calma, Val, pega leve, não é bem assim. Olhando para Ju: Escuta aqui, Ju, qual é o seu problema? Este cara acha que pode ir e voltar assim do nada? E você aceita?
- Ju: Bom, também não tem homem assim, a granel. Ah, os caras que aparecem são todos uns duros, recem saídos de relacionamentos, traumatizados e procurando garotas com a metade da minha idade. E com o Beto a coisa rola, é meio confortável, sabe.
- Val: Confortável? Ele te vê a hora que quer, o dia que quer, durante o tempo que ele quer e você acha confortável? Pra ele, você quer dizer?
- Ju: É. Prá mim também. Eu gosto desta vida, eu gosto dele.
- Val: Você não muda. mesmo. Parece que gosta de apanhar.
- Ju: É, tem razão. Mas, com ele, tudo é tão gostoso, é tão confortável, conhecido, aconchegante, macio...
- Marta: Credo, você está descrevendo o Beto ou um sapato velho?
- Val: É, poderia ser um sapato, um cachorro, um colchão... Sei não, hein...
- Marta: Para quem fala dele com tanta paixão, este lance de confortável e macio, é meio esquisito, hein? Tem certeza que ele é tudo isto?
- Ju: É. É um sapato, porque vive pisando em mim. Às vezes, é um cachorro, porque só apronta, bandido.
- Val: E o colchão?
- Ju: (Com um sorriso nos lábios). É tem o colchão.....uma vez ou outra, tão bom!
- Marta: Amiga, se conselho fosse bom, você sabe, a gente venderia, mas vou te dar um: Não trate com exclusividade quem te trata como opção.
- Ju: (Enxugando discretamente uma lágrima teimosa) Vou chamar o garçom.
Preciso ir embora. Prá encontrar o Beto, pensa tristemente. O cachorro.

Gladis Costa é consultora de marketing.

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