Hoje, exatamente um ano após o
último post deste blog, recebi uma cobrança de uma leitora: que eu voltasse a
escrever. Fiquei feliz e, em homenagem a ela, retomo este espaço, que deixei de
lado, por uma mistura de pouco tempo – estou produzindo minha dissertação de
mestrado - com falta de coragem para compartilhar as emoções dos acontecimentos
– haja coração! É que, em 2012, tive a enorme felicidade de ganhar um netinho e
a imensa tristeza de perder um grande amigo. Coincidentemente, os dois com o
mesmo nome: Arthur.
Na época dos dois eventos, eu
até rascunhei algumas linhas. Mas não fui adiante e elas ficaram lá, no
arquivo, à espera de uma oportunidade. Que surge agora, com este puxão de
orelhas!
Arthur
Tive um neto. E esperava emoções
mil ao ser avó. Como boa geminiana sonhadora, muitas vezes visualizei o
momento. Mas, foi diferente de tudo que imaginei. A emoção maior não foi o bebê
em si. O amor é um sentimento que cresce a cada dia, junto com ele.
O que me encheu o coração foi
ver meu filho sendo pai. Ver meu menino (que quase perdi no final da gravidez),
se tornar um pai maravilhoso: babando a cria, atento aos mínimos detalhes, carinhoso
com a mulher, responsável, cuidadoso.
Também fiquei muito mexida com a
emoção de meu marido, as lágrimas do meu companheiro de vida, ao receber esse
neto tão ansiado. E o meu filho mais velho, transbordando de orgulho com o
sobrinho (sei que ele também será um “senhor” pai, pois adora crianças). Ver minha
mãe e minha sogra, duas octogenárias tristes, agora renovadas com o bisneto.
Enfim, minha alegria foi a alegria deles. Talvez isso se deva ao meu ascendente
Aquário. Quem sabe...
Nos últimos dias tenho estado às
voltas com um enorme volume de papel velho. São centenas de cópias de revistas,
jornais e documentos da década de 1970, que utilizei como fontes para a
elaboração do livro Guerrilha
Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de Informática (LTC/1988). Volto a eles, tanto tempo depois,
por conta da dissertação de mestrado em história da ciência que estou
desenvolvendo. Na tarde do último domingo, separei alguns documentos que não
consegui identificar a origem. Mas eu tinha certeza que uma pessoa saberia quem
eram seus autores e quando tinham sido escritos: Arthur Pereira Nunes. Afinal,
além de protagonista daquela história e, possivelmente, autor de muitos
daqueles papers, Arthur tinha um
conhecimento amplo sobre tudo o que ocorria naquele período e essa visão o
tornara a fonte preferida de dez entre dez jornalistas de informática.
Mas, desta vez, ele não poderia
me ajudar. Eu não sabia, mas, naquele momento, Arthur passava por uma cirurgia
delicada, estava lutando pela vida e, horas depois, perderia a batalha. Mais
que uma fonte, eu perdi um amigo querido.
Era uma vez...
No tempo em que não existia
celular, nem internet, em que os computadores ocupavam salas ou andares de
prédios, aos quais somente programadores e analistas tinham acesso, o
jornalismo de informática era um osso duro de roer. Os jornalistas, contavam-se
nos dedos. Mas, com a chegada dos minicomputadores – máquinas do tamanho de um
frigobar -, no final da década de 1970, o mercado se abriu não só para um maior
número de usuários como para os profissionais da escrita. Foi quando ingressei
nessa área, e reencontrei o Arthur.
Eu o conheci em 1969, quando estudava
no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, então num lindo
casarão na rua Marquês de Olinda, e trabalhava no Instituto de Documentação da
Fundação Getúlio Vargas, ali perto, na praia de Botafogo. Na época, auge da
ditadura e da repressão, volta e meia eu levava um susto ao esbarrar, no
bandejão da FGV, com dirigentes do movimento estudantil. Que, em tese, deveriam
estar clandestinos. Claro que a presença deles ali tinha o dedo, e os tickets, de
Arthur, então presidente do diretório acadêmico da Ebap (Escola de
Administração Pública), que funcionava no primeiro andar da FGV.
Como muitos militantes, Arthur
foi obrigado a sair do país. Morou em Paris e retornou ao Brasil alguns anos
depois. Reencontrei-o em 1978; ele, trabalhando no governo (!!!) e eu, repórter
de informática. A partir daí, formos construindo uma relação profissional e
também de amizade.
Arthur foi um dos heróis do meu
livro e a ele dediquei diversas páginas, onde descrevi a sua participação,
sempre discreta porém fundamental, nas negociações com a comunidade acadêmica e
profissional para a construção da política de informática – e, mais tarde, com
deputados e senadores para a legitimação dessa política no Congresso.
Falar dele, agora, é mais
difícil. O único jeito é correr os dedos no teclado e deixar sair as palavras
que tentam descrever – se é que é possível - a pessoa única que ele foi: o pai
maravilhoso de quatro filhos lindos, o grande amigo, o marido amoroso e que
surpreendia sua mulher depois de tantos anos de casado. Um amante da vida, que
não deixou que a doença fosse um obstáculo para nada. Nem mesmo a
obrigatoriedade da hemodiálise lhe tirou um dos maiores prazeres, viajar.
Traçava seus roteiros - e assim foi a ida a Paris, no ano passado - a partir da
disponibilidade das clínicas de hemodiálise. Mantinha o encanto e a pureza de
espírito, porém sem ingenuidade infantil. Aliás, de bobo, não tinha nada. E era
extremamente responsável com o trabalho, com seus deveres e com a política, da
qual nunca se afastou. Tal responsabilidade lhe cobrou em saúde e em anos de
vida.
Para as “Meninas da
Informática”, Arthur era a fonte mais querida. Será, para nós, o nosso eterno
“Menino”. Como bem definiu a colega Carmen Nery: “Não dá nem para dizer o
clichê que ele descansou, porque ele não queria descansar coisa nenhuma.
Queria viver e produzir como sempre fez”. (em 16/04/2012)