Alice Rossini
Para minha surpresa, a novela “A Favorita” perdeu a chance de reconhecer como humano e passível de uma análise mais atual, a traição. No caso, a feminina.
Dedina, personagem da bela Helena Ranaldi, vivia um casamento equilibrado e feliz, sob o ponto de vista do marido, diga-se de passagem. Prefeito, e político idealista, comprometido com a causas sociais, deixava-se absorver, exemplarmente, pelos problemas da sua cidade, desconhecendo, por falta de tempo e ranço masculino, os anseios e desejos de sua bela e jovem mulher.
Ela, companheira e dedicada, não esquecia seus deveres de primeira dama. Mas convivia, perto demais, com o melhor amigo de seu marido, vivido pelo não menos charmoso e sensual Malvino Salvador. A proximidade dos dois, a carência de um e a sensualidade machista do outro, acabaram por criar um clima erótico, apimentado pela impossibilidade, uma vez que Salvador era o melhor amigo do Prefeito.
Nós mulheres, por termos mais consciência das nossas carências, facilmente não só as identificamos, como também escolhemos quem pode suprí-las. Sentindo a correspondência do amigo que, covardemente, não só não se afastava mas também não se decidia, Dedina resolveu, como qualquer ser humano o faria, partir para o "ataque".
"Tudo que começa errado termina errado", ja dizia minha avó. Até porque, a força que aproximava aqueles dois era a sexual, mas motivada, como disse acima, pela impossibilidade e pela atração do ser humano pela transgressão. Ja disse Marilena Chauí, "não existiria erotismo se tudo fosse permitido".
Dedina é descoberta, e o roteirista coloca o marido traido como uma vitima indefesa e isenta de qualquer culpa. Nem que fosse pela condução equivocada e egoista do seu casamento.
Flagrada no "pecado" de buscar amor e carinho em braços alheios, nada resta a Dedina, cheia de culpa, senão rastejar em busca do perdão. Detalhe, ela ama o marido e, pelo outro, sente forte atração sexual, que nós mulheres teimamos em misturar com conteudos amorosos, para justificar nossos "deslizes". Aos poucos, reconquista o marido que a ama, mas reincide! Reincide e é colocada para fora de casa, tal qual as mulçulmanas do outro lado do mundo, costumes que nós, civilizados, tanto criticamos. So faltaram o chicote e o apedrejamento
Estes requintes de perversidade foram, metaforicamente, usados pelo amante que a rejeitou, vendo nela a origem de toda sua infelicidade, a perda do amigo e da imagem de bom moço que gozava na cidade.
Desestruturada pelas humilhações e colocada mais uma vez para fora de um lar que a abrigasse, começa como uma louca a perambular pelas ruas da pequena cidade. Povoada por pessoas preconceituosas, mas também cheia de "boas almas", "mulheres bravas e solidárias" vividas pela família do velho comunista Copolla, indiferentes, vem a "traidora" passar fome, dormir em bancos de jardim e ser vítima de estupradores.
Dedina adoece e morre no leito do marido. O ex-amante, igualmente traidor, ainda chega a tempo de ouvir seu pedido de perdão pelos percalços por ela provocados. Como prêmio, refaz sua vida com outra mulher. Na ficção como na vida...
Tratada e castigada como vilã, a Globo, tão complacente com delitos mais nocivos socialmente, perdoa e modifica,de ultima hora, carateres e personalidades, leva o telespectador a lançar sobre fatos do cotidiano um olhar mais realista e compassivo, induzindo-os, muitas vezes, a juízos mais tolerantes, com a Dedina usou de um maniqueísmo absurdo! Nem se deu ao trabalho de tratar o destino da personagem sob o "espírito" do atual Código Civil Brasileiro que, evoluiu para discriminalizar o adultério.
Com Dedina, usou o rigor e o atraso do Alcorão!
... e a salvação de Catarina
Mais uma vez, a novela “A Favorita” surpreendeu. Desta vez, através da personagem de Catarina. Uma dona de casa submissa, cujo tamanho do universo fez com que se submetesse, durante anos, a um marido violento, perverso, machista, que não amava, sequer, os próprios filhos. Como sempre, Lilia Cabral subtrai da interpretação da personagem, qualquer clichê capaz de inspirar no telespectador mais indignação pelo marido que piedade pela mulher, tamanha a grandeza da sua alma e a beleza e a dignidade com que conduz a própria infelicidade.
Sofre, mas não se deixa contaminar por sentimentos mesquinhos. Corajosamente, protege os filhos, libertando-os do estigma de uma paternidade doentia que os torne reféns de uma infância infeliz. Trauma só os necessários. Nunca deixam de apoiar a mãe.
No decorrer da novela, Catarina descobre um homem, simples verdureiro, que através de pretensos bilhetes, na verdade escritos, piedosamente, pelo próprio pai, devolve-lhe, aos poucos, a auto-estima já fragilizada. Paralelamente, começa a amizade com uma mulher, ja dona de um restaurante, que lhe oferece emprego, aproveitando seu, e até o momento, único talento, cozinhar. Tornam-se amigas e sócias e o empreendimento faz sucesso pela qualidade e pelo atendimento.
Sentindo-se útil, a mulher começa a desabrochar. Aceita a corte do verdureiro Wanderley e, durante o rápido namoro, vão para a cama. Descobre o corpo, o prazer, a sexualidade, a normalidade. Abrem-se então, através de descobertas tão instintivas, as infinitas possibilidades que a vida pode oferecer para quem está preparado para experimentá-las. Uma Catarina livre e dona do próprio destino, desmancha o casamento com seu salvador, justamente por ter sido ele quem lhe abriu as grades do cárcere existencial em que sobrevivia.
Foi uma cena tocante, amorosa e respeitosa o final do romance do verdureiro com a ex-dona de casa. Ele também foi tocado pela grandeza daquela mulher, cuja saúde da alma, confessa, teve o poder de torná-lo um ser humano melhor.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
O castigo de Dedina
Postado por VERA DANTAS às 11:17
Marcadores: A Favorita, Alcorão, Alice Rossini, Catarina, Dedina, Helena Ranaldi, Lilia Cabral, traição
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Muitíssimo bem colocado o comentário de Alice sobre o caso Dedina. Não vi a novela, mas se trata de lugar comum: marido traído=vítima X mulher infiel=vilã. A Globo devia ter aproveitado a oportunidade para ousar mais, e buscado refletir a nova mulher capaz de redesenhar os relacionamentos. Estes, infelizmente no Brasil, ainda seguem o exemplo da novela...
Postar um comentário