domingo, 11 de janeiro de 2009

O brilho do desejo

Alice Rossini

Fim de Ano. Decidir como passar de um ano pra outro não chega a ser um problema mas ocupa algumas horas de muitas elocubrações, embora, a maioria de nós tenha consciência de que tudo não passa de mera convenção. Está tão fortemente impregnada no nosso inconsciente, que fazemos promessas, apelamos para divindades, mesmo os céticos e, todos os anos, queiramos ou não, cumprimos os mesmos rituais. Tudo continua acontecendo, de bom ou ruim, perdas e ganhos, fatos sucedendo fatos, todos indiferentes ao calendário.
Este ano, mais uma vez, meu marido e eu fomos para um lugar estratégico, onde pudéssemos, confortavelmente, apreciar um dos shows pirotécnicos que acontecem em todos os cantos e recantos do planeta. Há algum tempo, estes shows acontecem, tanto para encantar, quanto para matar: o homem não dá trégua.
Felizmente estávamos na "faixa" em que a pirotecnia estava a serviço do encanto, na Baía de Todos os Santos. Milhares de embarcações, do barquinho a vela às escunas exclusivas ou àquelas compartilhadas por muitas pessoas, todas muito animadas, cantando e dançando, até lanchas e veleiros, elegantes e discretos, tanto no número de convivas, quanto na forma de externar a euforia de adquirir o "direito" viver mais um ano, brigavam por um lugar sob as estrelas.
Embora o mar seja imenso, o ritual requer algumas precauções e a área confortável e segura para visibilidade restringe-se. Ficam todos, barcos, escunas, lanchas e veleiros, muito próximos. Tão próximos que olhos atentos podem perceber expressões de rostos que, embora anônimos, guardam entre si a semelhança que só a esperança empresta.
Embora atenta à beleza da explosão em fogo de mil cores e formas, fico imaginando se, naquele momento, pudessem se materializar todos os sentimentos que fugiam dos pensamentos e, por instantes, aninhavam-se nos brilhos de milhares de olhos voltados para o céu! Ah! Quantos desejos antigos e nunca satisfeitos, quantas saudades nunca aplacadas, quantos fantasias de poder estar vendo tudo em companhia de outra pessoa ou quanta vontade de estar com a mesma pessoa vendo outras coisas. Quantas lágrimas de esperança, gratidão e saudade. Quantos desejos impossíveis, e por isso mesmo, tão carinhosamente regados pelo tempo; quantas recordações amargas que os fogos não podem queimar e quantas lembranças felizes que eles também não podem reacender!
Enquanto o encantamento de formas e cores enfeita o céu que, democraticamente, cobre e acolhe a todos, continua em cada olhar o brilho que o ser humano, enquanto vivo estiver, jamais perderá - o brilho do desejo! Dos possíveis aos impossíveis, dos que podem ser gritados aos que devem ser escondidos, dos que abraçam a humanidade inteira aos que só acariciam parte do nosso corpo. Não importa de qual natureza é forjado. É importante que exista, pois é por ele que vivemos.
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