sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Mulheres que amam demais

Gladis Costa


Nome de livro, nome de grupo de auto-ajuda, quando a gente vê uma passagem como esta "Mulheres que amam demais" toda mulher sente lá no fundo um aperto, uma dorzinha, uma lembrança atual ou passada, mas dolorida. Porque mulheres que amam demais é tão redundante quanto corintiano fanático, subir pra cima ou descer pra baixo... atire o primeiro balde de lágrimas quem nalgum momento não teve a sensação de ter amado demais e quando a gente fala demais, pode significar tudo, que amou errado, que amou muito, que amou além da conta, que amou a pessoa errada.

Embora tantos poetas e seresteiros coloquem o amor relacionado com coisas legais como paixão, tesão, felicidade, frio na barriga, coração pilhado e outras coisas, para um grande número de mulheres, também lembra sofrimento, dor, ingratidão, frieza, desrespeito, obsessão lágrimas e frustração, muita frustração. Uma constatação dolorosa de tempo perdido.

Se por um lado mulheres que amam demais é pleonasmo, vamos então partir para a generalização total: ouso dizer que os homens são frios. Não como nós somos frias, porque nós não somos frias nunca, podemos 'fingir" que somos frias, "estarmos" frias por algum motivo, mas nunca seremos frias. Seremos sempre sanguíneas, emocionais, apaixonadas, quentes, entregando incondicionalmente nosso corpo, mente e alma para o objeto de nosso amor.

E a partir deste momento, nossa vida vai girar em torno deste objeto. Tornamo-nos um rio que navega sinuosamente por um caminho pré-trilhado, pré-determinado por este sufocante amor, se ele quiser que sigamos à esquerda lá iremos nós, se quiser que paremos um pouco - aguardando algo, um sinal, uma dica, uma instrução, lá ficaremos, quietinhas, como cães alertas aguardando a volta do dono. De prontidão. A família, os amigos, os hobbies, o trabalho, vão para a 3a. divisão. O espaço é prioridade deste homem. Ele é o senhor dos anéis. A ele caberá decidir quando e por quanto tempo nossa alegria durará. Por quanto tempo estaremos definitivamente noutro planeta, vendo estrelinhas, passarinhos e o mundo através de uma lente cor de rosa.

A este homem, para o qual dedicaremos bilhetes, mensagens, presentes e um sorriso permanente no rosto, guardaremos o melhor de nossas atitudes. A vida só fará sentido quando ele estiver por perto, nas redondezas já basta, porque sabemos que em poucos minutos ele estará ali, não o coração, a mente, a alma, o espírito ou qualquer outra coisa não tangível, mas seu corpo, seu braço, suas pernas e braços, e nós, do alto de nosso otimismo ou ingenuidade acharemos que tudo aquilo que estamos vendo é só o resultado do grande afeto que ele tem por nós, apenas a demonstração genuína de algo que ele sente lá dentro, por nós, a concretização de seu carinho, de sua paixão, que de outra forma, ele não saberia como manifestar.

Porque " homem não sabe escrever" , "não sabe mostrar o quanto gosta", "não sabe demonstrar os sentimentos". E por estas e outras, vamos nós fazendo os seus deveres. Colocando palavras em sua boca, terminando suas frases, completando as lacunas que preguiçosamente deixam de preencher. E daí quando finalmente fizemos toda a sua lição de casa, completando com nosso rico trabalho o bordado que representa a nossa vida, formamos uma imagem que afinal de contas, só existe em nossa cabeça. E é neste hora que eles dizem: De onde você tirou tudo isto? E dai você responde: "Mas eu não tirei, só coloquei. Coloquei minha visão do mundo, minha visão de nós dois, minha visão da nossa relação". E pela frieza ou espanto estampados em seu rosto, você sabe que nunca, em nenhum momento foram realmente um casal, apenas uma dupla, dois amigos, que compartilharam alguns poucos e preciosos momentos juntos, nada mais. Para você, foi prioridade. Para ele, uma opção.

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Blog de Alice

A blogosfera acaba de ganhar um novo blog. Trata-se do VersoReverso, criado pela Alice Rossini, colaboradora do Plenidade.
Vale a pena visitar. É só clicar no link ao lado.

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A mulher no metrô

Pedro Ribeiro*

Tomei o ônibus rumo ao trabalho. Saltei próximo da estação da Sé de Metrô, buscando entrar na linha vermelha em direção ao Vale do Anhangabaú. Não fui a pé, afinal era um daqueles dias de chuva, típico da metrópole. Já sentado no trem, abri um livro do Graciliano Ramos e comecei a ler.

Em alguma estação à frente entrou uma mulher humilde, morena, cabelos molhados provavelmente do banho da manhã, meio ondulados e soltos. Braços musculosos e veias das mãos bem a mostra, sugerindo trabalho duro. O rosto, porém, era extremamente delicado. Não percebi qualquer vestígio de maquiagem. Os lábios carnudos, tipicamente brasileiros, revestidos por um baton bege claro, muito discreto. O vestido era simples, com flores estampadas de baixa qualidade. A barriga um pouco maior que o normal para uma pessoa magra. Diria que era um tipo meio barrigudinho, entretanto me atraí por suas curvas.

O casaco, daqueles bem ordinários, descia até próximo da cintura. Não contava com nenhum enfeite. Os pés maltratados com as veias também à mostra. Os calcanhares estavam tampados pela tira da sandália rosa. As unhas dos pés pintadas de vermelho, única vaidade que notei. Uma bolsa de plástico aparentando couro falso estava pendurada pela alça, bem acomodada em seu ombro esquerdo, que, por sua vez, estava à mostra.
Parei de ler Graciliano para observá-la atentamente. Estava apoiada entre a extremidade do banco à minha frente, do lado oposto no vagão, e a beira da porta. Preocupava-se em manter o resto do corpo um pouco distanciado da parede do trem. Devia ter não mais que vinte e sete anos. Bonita mulher, rosto bem desenhado, contudo sem brilho e expressão. Fiquei tentando adivinhar a sua profissão. Arrisquei que fosse uma empregada doméstica, mas pela hora, quase dez da manhã, ou estava atrasada ou tinha outra profissão.
Enfim, fiquei imaginando o suposto segundo emprego. Não conseguia. A sua barriguinha protuberante me tirava a atenção. Vez por outra, pelo balançar do trem, ela mudava a posição dos pés chamando-me a atenção para sua visível inquietação. Estava com pressa. A teoria do atraso voltou-me à cabeça. O metrô estava cheio; logo, tive dificuldades em continuar analisando-a. Talvez isto me tenha feito ser muito chamativo, e ela percebeu o meu interesse.Olhou-me naturalmente. Apertou mais uma vez os lábios e desviou rapidamente o olhar. Outra vez trocou a posição do pé de apoio e passou a mão direita sobre o cabelo. Aproveitou, ainda, para arrumar a alça da bolsa, que teimava em escorregar de seu ombro esquerdo.
Voltei para a leitura do livro. Não consegui. A morena não parava de vir a minha mente. Resolvi voltar a olhá-la. Não a encontrei. Provavelmente descera em alguma estação durante esse meio tempo. Não pude conter certa frustração.Ajeitei-me no banco, curvei um pouco mais a cabeça e voltei ao livro.Desta vez a leitura correu tranqüilamente.
Bom, a moça não perdi, é claro. Está gravada nesta crônica, segundo pareceu sobre minha visão. Porém nunca passará de uma vaga lembrança, que vez outra invade minha mente. Ou será meu coração?

*´Paulistano, estudante, tem 13 anos de talento.
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sábado, 7 de fevereiro de 2009

Maysa, Piaff e eu

Alice Rossini

O que as vidas de Maysa Matarazzo e Edith Piaff tem em comum, e onde as duas histórias que tanto me fascinam e emocionam se identificam?

Artistas talentosíssimas, as duas tiveram, cada uma ao seu modo, motivos tanto para serem equilibradas quanto para possuírem aquelas personalidades irascíveis. Amigos, fiéis e infiéis, dificuldades, decepções, alegrias e tristezas. Quem não as tem? Não pretendo tecer considerações a respeito da biografia das duas, escrevo o pouco que sei e senti, através de quem a fez. A opção pela arte as absolve de qualquer juízo delas que se pretenda fazer.

Piaff teve uma infância conturbada. Órfã de mãe e abandonada pelo pai convocado para a guerra, foi entregue à avó que a criou num prostíbulo. O pouco de amor que teve na infância foi suprido por uma prostituta que afeiçoou-se à futura Cotovia, mas de quem, mais tarde, foi cruelmente afastada. Edith, premida pelo ambiente em que vivia, prostituiu-se. O pai, artista de circo, na crise do pós-guerra viveu, por um período, da beleza da sua voz. Após sua morte, começa a carreira cantando nos cabarés de Paris. Teve várias paixões, mas era inconstante e sequelada pelos sofrimentos da infância. Vicia-se em morfina e era alcoolatra. Estes dois vícios minam sua já precária saúde.

Maysa tinha uma família estruturada, casou-se e descasou-se por amor. Nunca perdeu o respeito e o apoio do marido, seu melhor amigo, com o qual teve um filho que, por mais que as circunstâncias lhes afastassem, mantinham vínculos profundos. Vítima do álcool e apaixonada pela música, teve dificuldades em manter o equilíbrio emocional. Viveu conflitos existenciais intensos, teve muitas paixões, mas um único amor.

Maysa e Piaff, fizeram sucesso no mundo inteiro, quanto mais sofriam mais cantavam e encantavam. Os mesmos que as machucavam, curvavam-se diante de seus talentos.

Poderíamos usar como argumento que ser artista, na época em que viveram, as obrigava a carregar o ônus de enfrentar uma série de preconceitos e, com eles, as próprias culpas por serem diferentes. O estereótipo ao qual se obrigavam a corresponder as levava ao vício, a serem infelizes e viverem à margem dos padrões considerados "normais". O preço que pagaram foi alto demais, corroeu suas estruturas emocionais e físicas. Desistir? Nunca! Sucumbir às pressões apenas apressaria sua destruição.

Mas, e dai? As vidas destas mulheres já fazem parte do passado, e tanto podem inspirar admiração quanto piedade. A beleza de sua arte, o mundo reconhecerá até o final dos tempos. Suas vozes as eternizaram, a música as redimiu.

E eu? Onde, humildemente, insiro-me neste contexto feito de arte, tragédia e sofrimento? Que aspectos das vidas dessas mulheres me fascinam e me mobilizam tanto? A resposta poderia, facilmente, ser a força e a coragem de se assumirem como eram. Ninguém ousava sufocá-las!

Será a resposta tão simples e óbvia assim? Não seriam as tragédias, os tumultos pessoais, as inseguranças, as carências, os sentimentos de inadequação, as insatisfações que tanto me impressionam e me fascinam? Estes sentimentos, afinal, compõem o Mito, e o mito absorve, impressiona e pressiona.

Uma certeza, eu tenho. A trilha musical que acompanha suas vidas, lhe confere uma dramaticidade que vão ao encontro de uma parte de mim que é vazia e órfã de emoções, onde existe um vácuo de definições, convicções, força e beleza, que parecem tornar minha vida sem sentido e às vezes, experimentando a incômoda sensação que o meu mundo cairá a qualquer momento.

Invejo-as! Apesar das vidas difíceis e infelizes que levaram, invejo-as! As duas viveram pouco, se usarmos a métrica convencional para medir o tempo. Mas foram tão intensas! Tanto no cantar, quanto no chorar, quanto no sorrir, quanto no amar, que a sensação que tenho, é que pairam acima das concepções normais de existir e ser. Encontraram o segredo de transcender a normalidade medíocre.

Quanto a mim, instalada no conforto e no desconforto das minhas escolhas, poderia sair por aí, gritando insana, mas lúcida: "Non, je ne renegrette rien"!!!

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