sábado, 7 de fevereiro de 2009

Maysa, Piaff e eu

Alice Rossini

O que as vidas de Maysa Matarazzo e Edith Piaff tem em comum, e onde as duas histórias que tanto me fascinam e emocionam se identificam?

Artistas talentosíssimas, as duas tiveram, cada uma ao seu modo, motivos tanto para serem equilibradas quanto para possuírem aquelas personalidades irascíveis. Amigos, fiéis e infiéis, dificuldades, decepções, alegrias e tristezas. Quem não as tem? Não pretendo tecer considerações a respeito da biografia das duas, escrevo o pouco que sei e senti, através de quem a fez. A opção pela arte as absolve de qualquer juízo delas que se pretenda fazer.

Piaff teve uma infância conturbada. Órfã de mãe e abandonada pelo pai convocado para a guerra, foi entregue à avó que a criou num prostíbulo. O pouco de amor que teve na infância foi suprido por uma prostituta que afeiçoou-se à futura Cotovia, mas de quem, mais tarde, foi cruelmente afastada. Edith, premida pelo ambiente em que vivia, prostituiu-se. O pai, artista de circo, na crise do pós-guerra viveu, por um período, da beleza da sua voz. Após sua morte, começa a carreira cantando nos cabarés de Paris. Teve várias paixões, mas era inconstante e sequelada pelos sofrimentos da infância. Vicia-se em morfina e era alcoolatra. Estes dois vícios minam sua já precária saúde.

Maysa tinha uma família estruturada, casou-se e descasou-se por amor. Nunca perdeu o respeito e o apoio do marido, seu melhor amigo, com o qual teve um filho que, por mais que as circunstâncias lhes afastassem, mantinham vínculos profundos. Vítima do álcool e apaixonada pela música, teve dificuldades em manter o equilíbrio emocional. Viveu conflitos existenciais intensos, teve muitas paixões, mas um único amor.

Maysa e Piaff, fizeram sucesso no mundo inteiro, quanto mais sofriam mais cantavam e encantavam. Os mesmos que as machucavam, curvavam-se diante de seus talentos.

Poderíamos usar como argumento que ser artista, na época em que viveram, as obrigava a carregar o ônus de enfrentar uma série de preconceitos e, com eles, as próprias culpas por serem diferentes. O estereótipo ao qual se obrigavam a corresponder as levava ao vício, a serem infelizes e viverem à margem dos padrões considerados "normais". O preço que pagaram foi alto demais, corroeu suas estruturas emocionais e físicas. Desistir? Nunca! Sucumbir às pressões apenas apressaria sua destruição.

Mas, e dai? As vidas destas mulheres já fazem parte do passado, e tanto podem inspirar admiração quanto piedade. A beleza de sua arte, o mundo reconhecerá até o final dos tempos. Suas vozes as eternizaram, a música as redimiu.

E eu? Onde, humildemente, insiro-me neste contexto feito de arte, tragédia e sofrimento? Que aspectos das vidas dessas mulheres me fascinam e me mobilizam tanto? A resposta poderia, facilmente, ser a força e a coragem de se assumirem como eram. Ninguém ousava sufocá-las!

Será a resposta tão simples e óbvia assim? Não seriam as tragédias, os tumultos pessoais, as inseguranças, as carências, os sentimentos de inadequação, as insatisfações que tanto me impressionam e me fascinam? Estes sentimentos, afinal, compõem o Mito, e o mito absorve, impressiona e pressiona.

Uma certeza, eu tenho. A trilha musical que acompanha suas vidas, lhe confere uma dramaticidade que vão ao encontro de uma parte de mim que é vazia e órfã de emoções, onde existe um vácuo de definições, convicções, força e beleza, que parecem tornar minha vida sem sentido e às vezes, experimentando a incômoda sensação que o meu mundo cairá a qualquer momento.

Invejo-as! Apesar das vidas difíceis e infelizes que levaram, invejo-as! As duas viveram pouco, se usarmos a métrica convencional para medir o tempo. Mas foram tão intensas! Tanto no cantar, quanto no chorar, quanto no sorrir, quanto no amar, que a sensação que tenho, é que pairam acima das concepções normais de existir e ser. Encontraram o segredo de transcender a normalidade medíocre.

Quanto a mim, instalada no conforto e no desconforto das minhas escolhas, poderia sair por aí, gritando insana, mas lúcida: "Non, je ne renegrette rien"!!!

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Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Alice,
Li seu texto - Maysa, Piaff e eu, no Blog e confesso que fiquei muito mexida com a forma que você abordou um tema tão polemico: a influência dos “mitos” na construção da psique humana.

Em estudos da psicologia analítica, podemos perceber que os mitos traçam a história da mente humana pelo conhecimento dos símbolos. A psique conserva rastros e etapas anteriores ao desenvolvimento humano, denominado de Inconsciente Coletivo, uma herança psicológica comum a toda humanidade, de onde derivam os símbolos, arquétipos e mitos. Assim, podemos perceber a presença repetida de determinadas imagens, conflitos e situações descritos nas histórias dos mitos. O mito tem papel determinado na psicologia humana, tanto na formação do indivíduo, quanto no modo pelo qual o corpo social assume uma identidade coletiva.

Ao narramos histórias de pessoas, que se tornaram “mitos”, como é o caso de Maysa e Piaff, segundo Platão, é um modo de expressar verdades que escapam ao raciocínio humano, e são como reflexões ou imagens de espelho de certas situações culturais da humanidade, como grandes sonhos arquetípicos individuais.

Amei o texto, sentindo sua alma como pano de fundo!

Beijos,
Bel