quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O que faz sentido para emagrecer?

Cristiane Marques*


Tendenciosa.

Em uma palavra podemos resumir a matéria da revista Veja (Ed. 2205, Ano 44, no. 8) dedicada à audiência publica realizada hoje pela Anvisa sobre a proibição de medicamentos anorexígenos. A matéria em nada se diferencia do discurso médico sobre a obesidade. Sua obstinação em enquadrar a obesidade como uma doença que precisa ser medicada é impressionante. Os argumentos devidamente alinhavados expõem as contradições pertinentes a esse campo em que o “ritmo metabólico mais lento” e “desequilíbrio químico cerebral” passam a ser objeto de intervenção como se houvesse remédio para os limites que a biologia nos impõe. Se a obesidade é fator de risco para problemas cardiovasculares, diabetes e câncer entre outros o seu tratamento com os medicamentos anorexígenos também coloca riscos. E o maior deles talvez não sejam as complicações cardíacas, mas seu uso continuado que gera dependência não só química, mas principalmente psicológica, e o aumento de peso que advém com a suspensão do uso do remédio. Se para não cair no risco de uma dependência causada pelo uso por um período longo é preciso abrir mão dos efeitos de emagrecimento que o remédio proporciona, então “qual é o sentido” usá-los? Sim, o risco vale à medida em que incita uma peregrinação em busca do novo remédio ou médico responsável pelo emagrecimento de 10 entre 10 beldades midiáticas.

Se a possível suspensão dos medicamentos anorexígenos é um “retrocesso ao tempo em que os gordos eram vistos como desleixados, preguiçosos e sem força de vontade”, qual é o sentido oculto na veemente afirmação de que a obesidade é uma doença e precisa ser tratada por um médico que terá o remédio para o seu mal? A medicina ainda não descobriu “os complexos mecanismos que levam uma pessoa a ser obesa independentemente de seus hábitos”, por que talvez essa distinção não seja possível. Os médicos ameaçados de perder os poucos artifícios que garantem sua hegemonia no crescente mercado das dietas se vêem encurralados, apoiando-se em revisões científicas ultrapassadas onde a “eficácia” é atestada em seus efeitos imediatos e não os de longo prazo. Sim, a Anvisa não precisou de um estudo científico controlado de “cinco décadas” para afirmar que os efeitos dos medicamentos anorexígenos não valem o risco colocado pelas “341 reações adversas” descritas: no Brasil, país onde esses medicamentos vem sendo usados a critério dos médicos, o percentual de homens obesos passou de 2,8% para 12,4% (mais do que quadruplicou!) desde 1974, enquanto a taxa registrada entre as mulheres dobrou de 8% para 16,9%. Introduzir um paciente num movimento corporal cíclico de engordar e emagrecer cujo saldo é na maioria dos casos um incremento de peso é um tratamento eficaz?

Quem ignora o quê? A revista Veja, sem dúvida, ignora o “caráter ideológico” da recusa médica de “medidas regulatórias” sobre suas intervenções. Aqueles que defendem o uso desses medicamentos ignoram seus efeitos nefastos, seus médicos irresponsáveis e as lacunas em seu próprio “conhecimento científico”. A população em geral e os pacientes obesos especificamente, por sua vez, ignoram a possibilidade de encontrar outras formas de enfrentamento da obesidade que não seja sua medicalização.

Rigor. Essa é a palavra de ordem para pensar a questão da obesidade e do uso de medicamentos para o seu tratamento. Dizer que se um “homem com um estilo de vida impecável acrescentar 1 colher de chá de arroz estará 7 kg mais gordo ao fim de cinco anos” é uma barbaridade! A matemática é precisa e não admite esse tipo de projeção. A relação entre um evento e o outro não guarda uma correspondência direta.

Em tempo, justificar a necessidade de manter a licença para o uso de medicamentos anorexígenos em função de que sua proibição promova uma incitação ao “comércio ilegal” de medicamentos é minimamente condicionar uma distorção ética à impossibilidade do estado reprimir a ilegalidade. Nessa linha de raciocínio, deveríamos repensar a liberação de outras drogas?

*Cristiane Marques é psicanalista

OBS: Embora eu, pessoalmente, seja contra a proibição de qualquer coisa - e isso vale para qualquer droga - gostei muito do texto da Cristiane. Seus argumentos são sólidos, pois baseados em sua longa experiência em psicoterapia voltada para a obesidade.