quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Reveillon minimalista

Sonia Aguiar*

Sorria, você sobreviveu muito bem ao segundo reveillon sozinha, em onze anos. E por escolha, não por falta de opção. Pra quem já passou dos 50 é uma ótima marca! Preparou o cardápio e a mesa, lindamente: comprou flores, usou os melhores pratos, copos e talheres, tudo sobre uma impecável toalha branca e sob luz de velas. Arrumou-se e perfumou-se como se fosse sair ou receber alguém. Estourou seu primeiro espumante sozinha e o saboreou calmamente em taça de cristal. E ainda teve a ousadia de usar o controle remoto, na hora dos fogos, pra se livrar da falação daquela famosa emissora de tevê que ainda não descobriu que uma imagem vale mais do que mil palavras (ainda mais, se em movimento). E então, no outro canal, a melodia ao fundo das imagens sem narrativa sugeriu: “Smile” – como dizia Charles Chaplin, que se despediu do mundo uma semana antes da virada de 1977 para 78 – exatamente 30 anos atrás.

Sorria, mesmo que seu coração esteja doendo
Sorria, mesmo que ele esteja aos pedaços
(...)
Contra o medo e a tristeza, sorria
E aí pode ser que amanhã
Você veja o sol brilhando pra você [por detrás das nuvens].
Ilumine seu rosto com um ar de alegria
E esconda qualquer traço de melancolia
Ainda que uma lágrima
Esteja sempre ameaçando cair.
Justamente nessa hora
Você deve continuar tentando sorrir
(...)
Você descobrirá
Que a vida vale a pena
Se você simplesmente sorrir
(...)

Então sorria, também porque você sobreviveu à estranheza e ao ceticismo daqueles que perguntavam onde você ia passar o Ano Novo. Em casa? Com quem? Sozinha? Não acredito! Mas por que? Está deprimida???

“Ser solitária não significa viver na solidão”, lembra? A lição havia sido aprendida dois meses antes, numa viagem sonhada com uma certa companhia mas realizada, sem pezares, sem ela. Quem via as fotos (lindas, diga-se de passagem) morria de curiosidade: mas quem estava com você? quem tirou tantas fotos suas? precisamos conversar...

“To be confortable under your own skin” não é uma experiência fácil em nenhum idioma, cultura, idade ou gênero. Mas é especialmente desafiadora para as mulheres do século passado que ainda têm um longo prazo de validade a cumprir neste planetinha de subúrbio da galáxia – digamos, no mínimo mais 25 anos, pra quem está no início dos 50. E a viuvez feminina frente à masculina na velhice é uma sina para a qual ainda não se descobriu “cura”.

Esses pequenos exercícios de ficar bem em sua própria companhia são como as recomendações da medicina preventiva: não doem e evitam o mal maior. Se alguém duvidar que pode haver beleza, paz e harmonia em momentos de solidão, que ouça “Years of solitude”, de Astor Piazzola e Gerry Mulligan, em http://www.mp3tube.net/br/musics/Astor-Piazzola-Gerry-Mulligan-Years-Of-Solitude/95231/.


* Sonia Aguiar é professora aposentada do Departamento de Comunicação da UFF, mas não inativa: trabalha como consultora editorial e de Internet, e como pesquisadora de redes sociais.

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3 comentários:

Anônimo disse...

Vera, seu blog está super bonito, com "crônicas" muito interessantes e com uma carinha bem relax... Gostei muito!!
Parabéns pela iniciativa e que ela dê bons e inesperados frutos!!

Abraço,

Ana Cosenza

Anônimo disse...

Vera,
descobri o seu blog pela dica do Noblat hoje. Parabéns! "Plenidade" é um belo nome para evitar os eufemismos ambíguos,como "melhor idade" e outros, pois a "idade da plenitude" não ignora os aspectos negativos da maturidade física ou da velhice, e sugere ênfase nos positivos, que são muitos.
Gostei muito do texto da Sônia sobre solidão. É preciso espalhar essa percepção da "boa solidão", para que cada vez mais pessoas maduras e idosas vençam esse mito de que a solidão é necessária e fatalmente ruim -- pois tudo depende sempre e essencialmente do que aprendemos/aprendamos a fazer com ela... Mais vale uma "boa" solidão do que várias "más" companhias! Entre uma separação e um novo casamento vivi poucos mas deliciosos anos de vida solo, e foram dos melhores da minha vida. Pode passar esta mensagem à Sônia? Obrigado.
Abraço,
Deodato Rivera, 72 anos (deorivera@terra.com.br)

VERA DANTAS disse...

Deo,
Agradeço o seu comentário e vou encaminhá-lo para a Sônia.
Um abraço e volte sempre.
Vera