sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

De vibradores e penitências

Vera Dantas

Uma nota publicada, esta semana, na coluna Boa Gente, do Globo, descrevendo o sorteio de um vibrador na pré-estréia do filme “Mulheres, sexo, verdades e mentiras”, me fez voltar no tempo. Depois, é claro, de dar boas risadas com a desventura do sorteado – o pobre coitado foi vítima de algumas piadinhas tipo “Experimenta!”, já que o acessório é (ou tem sido) voltado para o público feminino. Mas, voltando ao momento “recordar é viver”, pensei que uma cena como essa seria inimaginável na minha infância e adolescência. Da mesma forma que não passava pela cabeça de ninguém a possibilidade de vir a ter um celular.

Até meados da década de 60, sexo era um grande tabu. Para as mulheres, pelo menos. Crescemos convictas de que sexo era algo sujo, feio. A mulher “direita” era recatada e a virgindade deveria ser guardada, como um tesouro, até o casamento. Nesse dia, a noiva entrava na igreja orgulhosa em seu vestido branco, símbolo de sua pureza. A convenção era tão rígida, e respeitada, que as “não-puras” (as viúvas ou aquelas mais afoitas que tiveram o azar de engravidar) usavam um rosinha, um creme, um amarelinho. Branco, nunca! Ah, sem esquecer que, na época, não tinha divórcio e as desquitadas não podiam casar. Era assim e pronto. Ninguém questionava.

A chegada da pílula anticoncepcional abriu caminho para a liberação sexual. As mais antenadas, politizadas ou inquietas foram as primeiras a aproveitar a nova vida. Mas a grande maioria das meninas continuou com a sua vidinha recatada – embora nem tanto - ainda por um bom tempo.

Um detalhe interessante é que nos meios mais intelectualizados começou a funcionar um preconceito às avessas: quem era virgem era out. A marcação era forte, o que levava algumas meninas, que ainda eram virgens por pura falta de oportunidade, a tentar resolver o “problema” com algum colega. Lembro que, em 1969, ao entrar na universidade, fui alvo de uma aposta feita por algumas colegas do curso de ciências sociais. Como eu ainda fazia o estilo patricinha (que na época tinha outro nome), em contraste com o modelo intelectualizado e/ou revolucionário de uma boa parte dos alunos, é claro que a maioria apostou na minha pureza.

Hoje, o sexo está em revistas, filmes, nas sex shops, nos cursos de striptease, nos seriados e programas de TV que promovem astros de filmes pornôs e garotas de programa, e por ai vai.
Bem, isso é ruim? Sim e não. Os aspectos negativos são muitos, a começar pela exacerbação do tema, que não poupa nem o público infantil. Mas, para quem conhece de perto o outro lado da moeda e, como eu, estudou em colégio de freiras, essa banalização chega a ser divertida.

Fico pensando o que poderia ter acontecido se, quando adolescentes, tivéssemos mais informação e menos proibição e culpa. Se, em vez de um confessor que considerava nossas perguntas “pensamentos impuros” e prescrevia dezenas de Aves Marias e Padres Nossos para zerar esse débito, pudéssemos satisfazer nossa curiosidade vendo o programa da engraçadíssima Sue Johansen. Uma coisa, pelo menos, é certa: teríamos poupado um bom tempo de terapia

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4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Vera,
É claro que a repressão imposta principalmente às mulheres gerou grandes problemas, mas a liberdade que temos hoje se transformou em libertinagem total.
Talvez eu esteja até errado, mas ver crianças de 11, 12 anos grávidas me causa indignação.
Mas cada um segue a vida que quer, não é mesmo?
abs

Anônimo disse...

O sorteio de vibrador é engraçado.Diria até uma coisinha a toa. Mas a banalização do sexo é o outro lado da moeda da mesma e velha doença -- a miséria sexual humana, como dizia Reich. O ser humano continua neurótico, doente e perverso e o sexo, desse jeito libertino, com suas consequências -- a Aids -- ainda visto como algo sujo. Está alí, qualquer um pode obtê-lo, mas sujo. Nada mudou no velho mundo. Pena.
Rose

Silvia disse...

Olá Vera, delicioso seu texto e a lembrança daqueles tempos nem tão dourados e de como tudo mudou. E na onda do "recordar é viver" vale lembrar a importante contribuição da sexóloga Marta Suplicy, quando falava sobre sexo com muita naturalidade (e como deve ser) no programa TV Mulher, da TV Globo lá pelos anos 80. Não sou cabo eleitoral desta senhora e nem cometeria o erro de votar nela novamente para nenhum cargo público, mas reconheço que ela fez um brilhante trabalho na época, ajudando a quebrar o tabu sobre o assunto e também abrindo o caminho para outras ações educacionais, inclusive em escolas, que se seguiram nos anos posteriores.

Unknown disse...

Oi Verinha, querida, que espaço tão gostoso e que texto mais oportuno. parabéns! Adorei muito - só agora tive o tempo necessário apra navegar como o plenitude merece . Pois bem, acho que falar de sexo de forma natural (ops,ufa!, é verdade agora pode) seria muito interessante, mas quando é que isso aconteceu? Não vejo isso agora, estamos na outra ponta do exagero. Fala-se demais e dá tesão, sabe, mas não rola informação. Tenho a sensação de que "sexo" é um tema mesmo cheio de tabus, ou que reprime demais ou que extrapola demais. Não há nada natural a não ser praticá-lo (risos)bjkas e parabéns pelo espaço!