domingo, 6 de julho de 2008

Meu coração vagabundo e grená

Rosane de Souza

Meu coração vagabundo e grená coleciona derrotas. Trago ele hoje nas mãos, o acaricio e, como uma pessoa saudável, o acolho e isolo de notícias do mundo. Não o deixo também saber de qualquer maldade ou piadinha idiota daqueles que sequer entraram em campo. É uma coisa pequena, vocês podem pensar, apenas brincadeiras com um jogo de futebol, mas no fundo mostra aquela parte da sordidez humana que adora ver o outro perder, se machucar. Que se regozija com a derrota alheia. O que se expõe como brincadeira em jogos revela o que se esconde na alma humana em outras áreas não triviais. Mozart soube disso como ninguém.

Algo em mim dizia, e manifestei isso várias vezes, que algo estava muito errado. Os sinais da derrota eram visíveis – meu gorro perdido, ingressos disputados como farinha pouca meu pirão primeiro (essa triste qualidade dos miquinhos amestrados da classe media) e, para culminar, os microfones do Maracanã aberto às idiotices big brodianas de Pedro Bial. Era, certamente, uma festa das celebridades cultivadas na pira da mediocridade. O, meu Deus, se tivéssemos pelo menos 10% dessa garra de torcer por um clube voltada para o nosso País, com certeza, viveríamos em um que nos desse orgulho. Até me emocionei com a faixa dos equatorianos: Gracias Equador. Sei que, hoje (não hoje, 3 de julho, mas nos dias atuais), eles têm do que se orgulhar.

Só uma coisa perturba hoje o meu coração grená, apaixonado e esquizofrênico, aquele que assiste impassível o que lhe dói, como se nada lhe dissesse respeito. ( Afinal, tenho muito trabalho a fazer). Eu fui assistir o jogo no Planeta do Chopp, na entrada da 28 de Setembro, por ser perto do Maraca. Dali, podia ver, e vi, as belas lágrimas verde e grená transvertidas de fogos. Quase podia tocar meu pai, o velho Chico que nunca foi Francisco e recebeu esse apelido por insondáveis caminhos só existentes em Salvador. Podia ouvi-lo, de novo, claramente e com o mesmo fascínio infantil, me dizer:”lembre-se: tricolor é tricolor em qualquer lugar. Aonde for, seja qual for o lugar que escolher para morar, tenha um time tricolor para torcer e sofrer as dores e as alegrias de ter três cores em seu coração”. Meu coração virou um arco-íris azul, vermelho, verde, grená e branco. Todo jogo é um reencontro com meu pai.

Na hora dos pênaltis, resolvi sair. Disputa de pênaltis sempre foi uma loteria pra mim – e jamais ganhei algo com ela, nem reles dez reais. Mas, no caminho, encontrei um homem , que, na imensa fragilidade da noite de ontem, me disse que ia ao mesmo barzinho onde assistia todos os jogos ver a disputa de pênaltis. Era seu amuleto. O carro, me disse, deixou na rua 8 de Dezembro, rua, aliás, onde moro. Até tentei convencê-lo a deixar o carro por lá – me disse que morava em Jacarepaguá. Mas me assegurou que não ia pela serra, escolheria outro caminho mais plano e chegaria em casa, apesar dos incontáveis chopps que tinha tomado. Fui com ele até o bar, ele pediu uma cerveja, fizemos o brinde dos assustados e, depois de tantos pênaltis perdidos (assim como qualquer esperança), disse que ia embora, deixei a minha parte da cerveja na mesa e sair, com medo do caminho que, sabia, teria de enfrentar até em casa – e enfrentei: fogos ameaçadores, gritos de um mengo que não vi em campo e até do medíocre Obina.

Meu coração, que não agüentou um só dia de um solene voto de só cuidar de si mesmo – depois de assistir tantos exemplos de farinha pouca, meu pirão primeiro – insiste em me dizer: não devia tê-lo deixado só. Aquele brinde, silencioso, pode muito bem ter sido o último que você fez com ele. Espero que não, mas o vi sequer perceber que falei com ele, que deixei o dinheiro. Olhava, estático, como se não acreditasse no que via, o gesto de silêncio que o mais novo escravo-alegre do futebol europeu fazia para a torcida tricolor. Não, não devia tê-lo deixado só. Meu coração vagabundo, grená e apaixonado não consegue se desvencilhar dos caminhos da solidariedade humana.

*Rose, jornalista, é baiana e, claro, torce pelo Bahia desde que nasceu. Mas, como boa geminiana, e seguindo os conselhos do pai, abriga o Fluminense em seu coração.


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3 comentários:

Anônimo disse...

Axé! tio Nélson.
O Rodrigues mesmo.Gostei menina.Bjs
Arthur

Anônimo disse...

Vera,
Sou Flamengo doente, mas nunca torci tanto por outro time como naquele jogo. Solidariedade à família e, também, orgulho de ver a campanha tricolor.
O Fred, Fluminense desde criancinha, mandou o seguinte texto para os amigos:
CORAÇÃO EM FRANGALHOS
Amigos,
Depois de 3 péssimas reuniões de trabalho em Buenos Aires, cujo sucesso teria me levado mais perto de uma boa aposentadoria, cheguei ontem ao Rio às 7 da noite e fui direto para o Maracanã, onde já estavam filhas e netos, ver o jogo do Flu.
Depois de vencer por 3 x1, perdermos 3 penalties foi demais.
Hoje às 9 da manhã tinha que fazer um eco-dopler de rotina das artérias carótidas e vertebrais.
Não fui, com o coração em frangalhos seria reprovado.

Fred

Anônimo disse...

Desconfio que esse blog não tem nada a ver com a maturidade. Só adolescentes, rebeldes sem causas.
Axé! tio Nelson.
Rose