sexta-feira, 7 de março de 2008

Profecia

Gustavo Teixeira*

Se entender o outro já é um negócio complicado, que dirá se relacionar com o outro!

Uma amiga brasileira de velhas datas, que também mora aqui nos Estados Unidos, veio conversar comigo esta semana. Entre queixas de saudades da vida no Brasil, ela deixou escapar que seu casamento não vai lá muito bem das pernas. Casada há quatro anos com um americano, disse que não sabe se vê mais futuro em seu relacionamento.

Mas o grande chiste é que, segundo ela, a pedra havia sido cantada exatamente quatro anos atrás – e, o que é pior, por uma pessoa completamente desconhecida. Quando foi acertar o vestido de noiva, e começou a contar detalhes do casamento por vir à costureira, também brasileira, esta lhe profetizou: “Não vai dar certo!” E a minha amiga, perplexa, indagou: “Como assim?” Ao que a senhora respondeu: “Também já fui casada com um americano, mas não dá certo, somos muito diferentes. São culturas muito diferentes. Gostamos mesmo é de brasileiros!”

À época, apaixonada e empolgada com o casório, a minha amiga não deu muita trela aquele papo que lhe pareceu sem pé nem cabeça. Mas confessou-me que atualmente, quando pensa em seu relacionamento, sempre lhe vem à mente a frase daquela senhora magra, de óculos bifocais e falar manso; de alfinete na mão e pronta a dar o último arremate naquele longo vestido branco.


“Gustavo Teixeira é ex-craque do meio-campo do Fluminense, tendo sido peça-chave na conquista de muitos títulos nacionais e internacionais para o clube, na década de 80. O Fluminense foi um famoso time de futebol-de-botão da Rua Pero de Góis, em Campos, interior do Rio.”

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sábado, 1 de março de 2008

Luto

Vera Dantas

Hoje eu estou de luto. Morreu meu sogro. Era uma figura ímpar. Jovem piloto da Aeronáutica, era corajoso a ponto de enfrentar com tranqüilidade uma queda do seu avião do Golfo do México. Sem se apavorar com os tubarões que viu por perto, esperou o seu resgate, que se deu nove horas depois.

Nacionalista, foi um dos militares comunistas da época. No Partido Comunista conviveu com Prestes, e escreveu, sob o codinome de Marcos Peri, um livro que ficou famoso na esquerda. E foi um dos mais ativos integrantes da campanha O Petróleo é Nosso, que acabou gerando a Petrobras. Sua militância e, principalmente, sua rigidez política e moral lhe custaram inúmeras prisões. Acontecia algum evento no Sul, ele era preso, embora estivesse no Norte.

Conheci-o já como coronel da reserva e advogando. Confesso que não foi confortável o primeiro encontro. Seu vozeirão e o rosto sério chegaram a me inspirar medo. Mas, passada a impressão inicial, tive a oportunidade de conhecer uma pessoa inteligente, generosa, amiga e profundamente preocupada com a realidade brasileira.

Modesto, era extremamente avesso a bajulações. Rejeitou diversas tentativas de homenageá-lo e também se recusou a se revelar como Marcos Peri. Certa vez, um mestrando que escolhera o livro dele como tema da sua tese entrou em contato com meu marido para interceder junto ao pai pela concessão de uma entrevista. Meu sogro, claro, recusou.

E assim continuou, discreto, reservado e estudioso. Foi o o melhor avô do mundo para seus netos, que o adoravam. O amor por eles era tanto que, abrindo a única exceção de sua vida, aceitou ser entrevistado por meu filho para um trabalho na faculdade de jornalismo.

Foi meu segundo pai, pois o meu morreu um ano após eu começar a namorar meu marido. Um pai severo, sim, mas generoso.

Por tudo isso, hoje eu me despeço de você, Sebastião Dantas Loureiro. Sogro, você fez da sua vida um enredo fascinante. Valeu!


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