sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Luto expresso

Ontem encontrei-me com uma amiga querida, que há cerca de dois meses ficou viúva. Perdeu seu amor, seu amigo, seu companheiro de mais de 30 anos de união e, o que é mais tocante, naquele momento estava feliz que nem pinto no lixo, recém-aposentado e fazendo planos maravilhosos para os dois.

Passadas as duas primeiras semanas de torpor, ela foi pouco a pouco retomando a vida, amparada por uma rede de amigos e familiares mais próximos. Alternando momentos de muita tristeza e de força, conseguiu enfrentar a via crucis burocrática, organizar a mudança da casa enorme para um apartamento (um dos planos do casal), equacionar problemas financeiros e voltar ao trabalho.

A casa está arrumada, o trabalho está em dia, o papo com os amigos também. Talvez devido a essa sensação de “normalidade”, de calmaria, a dor seja tão grande. Não lancinante, como nos primeiros dias, mas sempre presente. O jantar solitário, o primeiro cinema sem ele... As lágrimas brotam, é inevitável. Mas, descem, secam e ajudam a assimilar a perda.

A minha amiga não briga com a emoção, pois sabe que só deixando que ela ocupe seu espaço pelo tempo necessário, será possível decantar a dor, pouco a pouco. É o ritmo natural das coisas. O que a incomoda e, às vezes, a enfurece, é a reação de algumas pessoas nesses momentos. Como se, passado tanto tempo (!!!), chorar fosse anormal, sinal de fraqueza, masoquismo, brega.

Dois meses, hoje, é uma enormidade. Tudo tem que ser rápido. Morreu, chora um dia, dois, uma semana e vamos em frente. Luto??? Só se for expresso.

Fico com raiva ao imaginar aquela pessoa tão amorosa, delicada - a primeira a lembrar os aniversários e a brindar as amigas com músicas, versos e palavras especiais -, sendo obrigada a reprimir sua emoção para não incomodar os outros. Não, não e não!

Amiga, pelo menos comigo, chore sempre que quiser.

4 comentários:

Juliana Desbra Vando disse...

Vera, muito obrigada por compartilhar seu blog comigo. Lindo seu texto e sua sensibilidade.

Eu mantive um blog quando cheguei aqui no Texas, mas parei de escrever ha cerca de 3 meses. De toda forma, vc pode ir la conferir uns pensamentos antigos meus...
http://fronteirices.blogspot.com

Um beijao,
Juliana

Gladis disse...

Pois é Vera, isto é a sociedade "fast food"... a geração moderninha "fica"...a gente não pode "ficar" triste, abatida, tudo deve ser muito instantâneo! Como se a dor do luto fosse uma vacina, ou uma injeção, só uma dorzinha na hora e pronto! E quando a gente perde uma pessoa depois de tantos anos e ela continua viva? Ela quis morrer para você....A dor é menor,claro, mas é grande, viu...

Alice Rossini disse...

Perdas...falam que perdas são necessárias. Devem ser mesmo, algumas principalmente. O fato de acontecerem e serem necessárias não anulam a carga de dores, sofrimentos e privaç4oes que as acompanha. Talvez sejam elas que nos dem a dimensão de possuir,de ter, da completude. Tenho aompanhado duas amigas que perderam filhos. Diferente, completamente diferente, não sei que nome dar à esta "perda". Mas, "à cada um a sua dor"... Perda do amigo, do companheiro de uma vida toda doi muito. Percebo o significado deste sofrimento através do vazio dos olhos e da vida de quem perde. É incrível. Lalento esta perda reletada com tanta sensibilidade e todas as perdas passadas e as que ainda estão por vir. Perdoe-me se não consegui ser muito otimista. Mas perdas são momentos de luto, disto não podemos nem devemos fugir.

Ana Cosenza disse...

Vera!!! É isso mesmo!!! Você tocou no ponto. As pessoas querem plastificar suas emoções, assim como querem plastificar o rosto, e depois tomam antidepressivos... A vida nos fornece o que nós precisamos essencialmente para viver: EMOÇÕES!! Boas e RUINS, sim!!! Sem viver os momentos ruins nos esvaziamos e como consequência nos deprimimos. Outro dia estava com meu filho numa pizzaria e ele descobriu que embeber a língua na coca-cola arde muito e nós 2 começamos uma competição para ver quem conseguiria suportar a coca na boca com a língua mergulhada nela, por mais tempo. Lá pelas tantas ele resolveu me dar uma volta e apenas encheu a boca com coca e protegeu a língua da ardência (na inocência dele, achou que eu não fosse perceber...), então para "ganhar" a competição evitou que a língua ardesse. Eu não pude perder a oportunidade e mandei: _ Filho, que graça tem ganhar, se sua língua estava protegida?? Se ela não ardeu??
Espero que meu filho seja capaz, na vida dele, de deixar a língua arder, e depois confiante ver que sobreviveu a isso. Só assim crescemos, não é mesmo?