terça-feira, 5 de março de 2013

Backup emocional

O incêndio de ontem no Leblon, com a consequente morte do casal de moradores, desperta de novo a preocupação: se acontecer comigo, o que fazer? Pensei logo nos gatos, pois não conseguiria escapar sem eles. Comentei com meu marido que precisamos providenciar mais casinhas de transporte (só temos uma, para três bichanos), pois seria praticamente impossível mantê-los no colo ao descer oito andares de escada, na melhor das hipóteses. Gatos já não gostam de muita agarração, imagina numa situação caótica.

Minha outra grande preocupação são as memórias: escritos, fotos - estas principalmente. Lembro que uma das coisas que mais me impactaram no desmoronamento do edifício Palace, na Barra da Tijuca, foi a tentativa desesperada de muitas pessoas em tentar recuperar suas fotos nos escombros. Afinal, ali estava uma parte de suas vidas!

Eu sou obcecada por backup. Faço duas cópia de todos os arquivos, sejam fotos, textos ou mails: uma em meio magnético e outra em um micro mais antiguinho, que preservo para emergências. Além disso, replico os mais importantes no webmail de minhas três contas.

A neura aumentou quando comecei a escrever minha dissertação de mestrado. Além do texto original no notebook, da cópia no micro, de cópias em três pendrives e do webmail, uso o Google Drive. E vou por em prática uma outra opção, sugerida ontem por minha nora. Ela lembrou que, quando estava redigindo o trabalho final do MBA, enviava diariamente os arquivos para seu irmão e sua mãe.

Maninho, filhotes: por favor, criem uma pasta temporária para a Verinha.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

De volta


Hoje, exatamente um ano após o último post deste blog, recebi uma cobrança de uma leitora: que eu voltasse a escrever. Fiquei feliz e, em homenagem a ela, retomo este espaço, que deixei de lado, por uma mistura de pouco tempo – estou produzindo minha dissertação de mestrado - com falta de coragem para compartilhar as emoções dos acontecimentos – haja coração! É que, em 2012, tive a enorme felicidade de ganhar um netinho e a imensa tristeza de perder um grande amigo. Coincidentemente, os dois com o mesmo nome: Arthur.
Na época dos dois eventos, eu até rascunhei algumas linhas. Mas não fui adiante e elas ficaram lá, no arquivo, à espera de uma oportunidade. Que surge agora, com este puxão de orelhas!

Arthur
Tive um neto. E esperava emoções mil ao ser avó. Como boa geminiana sonhadora, muitas vezes visualizei o momento. Mas, foi diferente de tudo que imaginei. A emoção maior não foi o bebê em si. O amor é um sentimento que cresce a cada dia, junto com ele.
O que me encheu o coração foi ver meu filho sendo pai. Ver meu menino (que quase perdi no final da gravidez), se tornar um pai maravilhoso: babando a cria, atento aos mínimos detalhes, carinhoso com a mulher, responsável, cuidadoso.
Também fiquei muito mexida com a emoção de meu marido, as lágrimas do meu companheiro de vida, ao receber esse neto tão ansiado. E o meu filho mais velho, transbordando de orgulho com o sobrinho (sei que ele também será um “senhor” pai, pois adora crianças). Ver minha mãe e minha sogra, duas octogenárias tristes, agora renovadas com o bisneto. Enfim, minha alegria foi a alegria deles. Talvez isso se deva ao meu ascendente Aquário. Quem sabe...

 ... e Arthur
Nos últimos dias tenho estado às voltas com um enorme volume de papel velho. São centenas de cópias de revistas, jornais e documentos da década de 1970, que utilizei como fontes para a elaboração do livro Guerrilha Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de Informática  (LTC/1988). Volto a eles, tanto tempo depois, por conta da dissertação de mestrado em história da ciência que estou desenvolvendo. Na tarde do último domingo, separei alguns documentos que não consegui identificar a origem. Mas eu tinha certeza que uma pessoa saberia quem eram seus autores e quando tinham sido escritos: Arthur Pereira Nunes. Afinal, além de protagonista daquela história e, possivelmente, autor de muitos daqueles papers, Arthur tinha um conhecimento amplo sobre tudo o que ocorria naquele período e essa visão o tornara a fonte preferida de dez entre dez jornalistas de informática.
Mas, desta vez, ele não poderia me ajudar. Eu não sabia, mas, naquele momento, Arthur passava por uma cirurgia delicada, estava lutando pela vida e, horas depois, perderia a batalha. Mais que uma fonte, eu perdi um amigo querido. 
Era uma vez...
No tempo em que não existia celular, nem internet, em que os computadores ocupavam salas ou andares de prédios, aos quais somente programadores e analistas tinham acesso, o jornalismo de informática era um osso duro de roer. Os jornalistas, contavam-se nos dedos. Mas, com a chegada dos minicomputadores – máquinas do tamanho de um frigobar -, no final da década de 1970, o mercado se abriu não só para um maior número de usuários como para os profissionais da escrita. Foi quando ingressei nessa área, e reencontrei o Arthur.
Eu o conheci em 1969, quando estudava no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, então num lindo casarão na rua Marquês de Olinda, e trabalhava no Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas, ali perto, na praia de Botafogo. Na época, auge da ditadura e da repressão, volta e meia eu levava um susto ao esbarrar, no bandejão da FGV, com dirigentes do movimento estudantil. Que, em tese, deveriam estar clandestinos. Claro que a presença deles ali tinha o dedo, e os tickets, de Arthur, então presidente do diretório acadêmico da Ebap (Escola de Administração Pública), que funcionava no primeiro andar da FGV.
Como muitos militantes, Arthur foi obrigado a sair do país. Morou em Paris e retornou ao Brasil alguns anos depois. Reencontrei-o em 1978; ele, trabalhando no governo (!!!) e eu, repórter de informática. A partir daí, formos construindo uma relação profissional e também de amizade.
Arthur foi um dos heróis do meu livro e a ele dediquei diversas páginas, onde descrevi a sua participação, sempre discreta porém fundamental, nas negociações com a comunidade acadêmica e profissional para a construção da política de informática – e, mais tarde, com deputados e senadores para a legitimação dessa política no Congresso.
Falar dele, agora, é mais difícil. O único jeito é correr os dedos no teclado e deixar sair as palavras que tentam descrever – se é que é possível - a pessoa única que ele foi: o pai maravilhoso de quatro filhos lindos, o grande amigo, o marido amoroso e que surpreendia sua mulher depois de tantos anos de casado. Um amante da vida, que não deixou que a doença fosse um obstáculo para nada. Nem mesmo a obrigatoriedade da hemodiálise lhe tirou um dos maiores prazeres, viajar. Traçava seus roteiros - e assim foi a ida a Paris, no ano passado - a partir da disponibilidade das clínicas de hemodiálise. Mantinha o encanto e a pureza de espírito, porém sem ingenuidade infantil. Aliás, de bobo, não tinha nada. E era extremamente responsável com o trabalho, com seus deveres e com a política, da qual nunca se afastou. Tal responsabilidade lhe cobrou em saúde e em anos de vida.
Para as “Meninas da Informática”, Arthur era a fonte mais querida. Será, para nós, o nosso eterno “Menino”. Como bem definiu a colega Carmen Nery: “Não dá nem para dizer o clichê que ele descansou, porque ele não queria descansar coisa nenhuma. Queria viver e produzir como sempre fez”. (em 16/04/2012)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A revolta do gato

Acabo de receber de uma amiga, que sabe que a-do-ro bichos, e gatos em particular, um vídeo bem engraçadinho. E, a meu ver, justíssimo.
Claro nem me passa pela cabeça fazer campanha pela mudança da música Atirei o pau no gato. Isso é coisa para o grupo dos politicamente corretos, do qual não faço parte.
Mas que o gato tem razão, lá isso tem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Karman

Os mais novos, que não conhecem o mundo sem celular ou internet, também não conseguiriam imaginar a dificuldade que era sacar, depositar ou transferir dinheiro há pouco mais de 30 anos. Para sacar qualquer quantia, era necessário preencher um cheque, ir até a agência (não podia ser qualquer uma, tinha que ser a agência do emitente), enfrentar uma fila imensa* até chegar à boca do caixa; lá, esperar que o caixa conferisse a assinatura do cheque em um livro e, depois, o saldo da conta na ficha (de papel) do cliente. Detalhe importante: isso só podia ser feito nos dias úteis, no horário bancário. Sem falar que não existia doc e a simples compensação de um cheque de outra praça levava vários dias. Hoje, tudo isso é trivial para a maioria das pessoas e pode ser feito em poucos minutos, por internet, telefone ou terminais de auto-atendimento (ATM), em qualquer ponto do país. Pois muitas dessas facilidades se devem a um dos pioneiros da automação bancária no país: Carlos Eduardo Correa da Fonseca, o Karman.

Karman faleceu no último dia 28, vítima de um câncer de pâncreas. Sua morte não foi notícia, a não ser em veículos especializados como é o caso da newsletter Decision Report (http://www.decisionreport.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=10113&sid=1).

Karman dedicou toda sua vida profissional à automação bancária. Tinha um entusiasmo contagiante. À frente da Itautec, foi responsável por inovações tecnológicas como os ATMs, e pela implantação da primeira agência automatizada do país, em São Paulo, batalha arduamente disputada com o Bradesco. Transcrevo a seguir um dos episódios mais marcantes dessa briga, que tive o orgulho de descrever no livro “Guerrilha Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de Informática” (LTC/1988).

Ao contrário do Bradesco, que preferiu participar minoritariamente em três empresas industriais (Cobra, SID e Digilab), o Itaú decidiu, seguindo o exemplo do Citibank norte-americano, criar sua própria empresa para desenvolver e fabricar seus sistemas: a Itautec. Ela herdou a experiência de uma equipe de engenheiros do banco que, desde 1977, chefiada pelo analista de sistemas Carlos Eduardo Correa da Fonseca, o Karman, dedicava-se a projetar alguns equipamentos, como uma interface para ligar os computadores do Banco à rede nacional de telex. Projeto este, aliás, que um escritório inglês de consultoria concluiu ser inviável, apesar da comodidade que ofereceria aos clientes, permitindo-lhes acesso às suas posições de cobrança de títulos através do telex. Em seguida, o grupo de Karman projetou um terminal-caixa, terminais administrativos, o terminal de saldo e de extratos e microcomputadores. Some-se a isso o grande investimento feito escrevendo-se os programas dos sistemas de gerenciamento de redes, de banco de dados e outros necessários ao processamento on-line.
A competição entre o Itaú e o Bradesco foi ferrenha. Para descontar o avanço do Bradesco no desenvolvimento de sistemas on-line, o Itaú trabalhou duro, com o objetivo de ganhar a corrida para a instalação da primeira agência automatizada. O grupo de Karman projetou um sistema-piloto simplificado, com terminais ainda em fase de protótipo, implantado na agência Jumana, na zona do Mercado, em São Paulo. Um dia, Karman convidou Francisco Sanchez, do Bradesco, para conhecer a experiência. Este elogiou, achou bonito mas não se deu por vencido: "Agora você vai ver a nossa agência!" exclamou com orgulho. E o levou, de helicóptero até a Cidade de Deus, onde lhe apresentou um sistema completo e sofisticado, terminais com design definitivo, leitora de caracteres magnéticos e outros equipamentos. Karman sentiu um frio no estômago. Saiu da sede do Bradesco convencido de que seria difícil vencer a corrida, mas decidido a tentar alguma solução. Aquilo não podia ficar sem resposta!
Dias depois, Setúbal e outros diretores do Itaú também visitaram a agência central do Bradesco. Ao regressar, obrigaram o orgulhoso Karman a suportar uma avalanche de broncas e cobranças. O pior é que Setúbal, como Karman temia, se deixara impressionar com o pequeno vídeo do terminal-caixa do Bradesco (o do Itaú dispunha apenas de um simples visor alfanumérico), sendo difícil lhe explicar que, voluntariamente, a Itautec descartara aquela opção por achar que o operador de caixa, bastante treinado e sabendo todas as operações de cor, não precisaria de informações no vídeo, bastando-lhe conhecer os códigos e valores. Já os clientes, sim. Acicatado por Setúbal, Karman mandou projetar um terminal de cliente bastante atraente e com todas as facilidades. Foi uma correria para criar o novo produto, aperfeiçoar os existentes, melhorar o desempenho do sistema e tentar, mais uma vez, sair na frente do Bradesco. Até porque a agência da Cidade de Deus destinava-se mesmo a impressionar os visitantes, atendendo tão somente aos funcionários do banco, e não ao público. Os dois lados se empenharam na disputa. Sanchez apertava Cardoso, na SID. "Tem que andar!". Na Itautec, todos corriam feito loucos.
Setúbal decidiu que, para fazer bonito, o Itaú começaria a se automatizar pela sua maior agência, a Central. "E vamos fazer uma festa!", garantiu. Convidou autoridades, banqueiros, os titulares da SEI e conseguiu inaugurar o sistema, uma semana antes do concorrente. Karman fez questão de ciceronear Sanchez que, polidamente, fora prestigiar a festa. "Eu sei que você conhece tudo. Mas tem uma novidade", deliciava-se enquanto mostrava a Sanchez o original terminal de cliente, operado a toque dos dedos diretamente na tela.
*Parece que não há automação que acabe com as filas. Mas isso é outra conversa.

Caminhada na Lagoa

Caminhar na Lagoa é uma caixa de surpresas. Esta semana, por exemplo, fui da indignação ao encantamento. A indignação foi por presenciar o corte de árvores no Parque dos Patins. Árvores novas e saudáveis foram eliminadas para, segundo um funcíonário da Prefeitura, deixar o lugar mais claro e sem esconderijo para desocupados e bandidos. Em vez de atacar o problema da segurança, é mais fácil culpar as árvores.

Mas, para compensar, quando terminava a caminhada de hoje, deparei-me com uma cena enternecedora: uma capivara fazia sua refeição perto da margem. Grandona, de pelo cinza claro, comia calmamente a graminha, indiferente aos inúmeros caminhantes e ciclistas, que pararam para apreciar, e fotografar, a bucólica cena.


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nenen

Um estudo realizado há alguns anos revelou que a dor mais forte que o ser humano pode sentir é a perda de um filho. Concordo. E concordaria mesmo sem ter lido esse estudo, pois já vivi essa terrível experiência.


Mas o que a “diferencia” das outras dores, além da intensidade devastadora inicial (início que pode durar até anos)? É a permanência. A terapia ajuda a curar as feridas, a elaborar a dor, a continuar vivendo. Os outros filhos te enchem de alegria. Mas, mesmo com tudo isso, basta um pequeno detalhe para você sentir, nem que seja por um pentelhésimo de segundo, aquela dor de novo. Eu nunca mais pude ouvir “Pedaço de mim”, do Chico. Simples assim.

Neste momento estou muito triste. Minha gatinha, Nenen, morreu nesta madrugada. Tenho quatro gatos, mas a Nenen era especial: miúda, delicada, carinhosa, adorava um chamego. Nem parecia gato, pois eles, em geral, são meio ariscos; só se aproximam quando querem.

O que tem a ver a perda de um filho com a perda de um bicho? Tudo, pelo menos para mim. Pois os meus gatins são também como filhos. E, no meu sofrimento, não há dor relativa. Ela é sempre absoluta.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Aos 60

Conheci Rose quando morei em Salvador, há trocentos anos. Fomos focas na Tribuna da Bahia, mas apenas colegas. Voltamos a nos encontrar no Rio, trabalhamos juntas de novo e nos tornamos amigas de infância no grupo das Meninas da Informática*.

Rose é escritora. O livro está a caminho, no seu tempo. Seus textos, como a mensagem que acompanhou o convite para o seu aniversário, hoje, são sempre lindas, preciosas. Com a permissão da aniversariante, eu a compartilho com vocês.

"Aos quase 60, sei que nem posso ser mais A Bela Adormecida, de Adélia Prado, aquela que aos 50 ainda declarava ter 18 anos, incompletos. Muitos menos, escolher ou trocar de profissão. Na verdade, nem mesmo queria outra coisa além de escrever, escrever, embora isso faça doer um bocado.

60 anos é diferente de qualquer idade. É mais densa, e só não muda muito em relação aos 50, porque já me acostumei , desde há muito, a não me reconhecer nas fotos.

Deve ser o cansaço que toma o lugar de tudo e me vira outra.

Aos 60, você repara muito mais em tudo, como criança, com a diferença de que é um olhar de quase adeus. Sem nenhuma tristeza ou traço de melancolia, digo que 60 se caracteriza pela falta de projetos de longuíssimo prazo (sonhos sempre hão de haver), do será será - o que seria já é, os filhos já são do jeito que deu (um, de você nada herdou. Outro foi viver sua vida, como o fizemos, sem remorso e sem olhar pra trás)- e se torna engraçado qualquer cigana querer predizer o se futuro .

60 é observar tudo, pássaros, flores, cidades, paisagens e os amigos, com olhos de quem, um dia, nem lembrança de tudo isso terá. Vida que segue, e a coisa mais "muderna" dessa vida é envelhecer, como diz Arnaldo Antunes. Se esquecerem meu nome, podem me chamar de velha gagá."

Rosane de Souza

* Jornalistas que criaram a imprensa especializada em informática no Brasil, na era do bit lascado. Quando ainda não existiam PCs, redigíamos em máquinas de escrever Olivetti ou Remington (hoje peças de museu) e um computador ocupava um andar inteiro das empresas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O que faz sentido para emagrecer?

Cristiane Marques*


Tendenciosa.

Em uma palavra podemos resumir a matéria da revista Veja (Ed. 2205, Ano 44, no. 8) dedicada à audiência publica realizada hoje pela Anvisa sobre a proibição de medicamentos anorexígenos. A matéria em nada se diferencia do discurso médico sobre a obesidade. Sua obstinação em enquadrar a obesidade como uma doença que precisa ser medicada é impressionante. Os argumentos devidamente alinhavados expõem as contradições pertinentes a esse campo em que o “ritmo metabólico mais lento” e “desequilíbrio químico cerebral” passam a ser objeto de intervenção como se houvesse remédio para os limites que a biologia nos impõe. Se a obesidade é fator de risco para problemas cardiovasculares, diabetes e câncer entre outros o seu tratamento com os medicamentos anorexígenos também coloca riscos. E o maior deles talvez não sejam as complicações cardíacas, mas seu uso continuado que gera dependência não só química, mas principalmente psicológica, e o aumento de peso que advém com a suspensão do uso do remédio. Se para não cair no risco de uma dependência causada pelo uso por um período longo é preciso abrir mão dos efeitos de emagrecimento que o remédio proporciona, então “qual é o sentido” usá-los? Sim, o risco vale à medida em que incita uma peregrinação em busca do novo remédio ou médico responsável pelo emagrecimento de 10 entre 10 beldades midiáticas.

Se a possível suspensão dos medicamentos anorexígenos é um “retrocesso ao tempo em que os gordos eram vistos como desleixados, preguiçosos e sem força de vontade”, qual é o sentido oculto na veemente afirmação de que a obesidade é uma doença e precisa ser tratada por um médico que terá o remédio para o seu mal? A medicina ainda não descobriu “os complexos mecanismos que levam uma pessoa a ser obesa independentemente de seus hábitos”, por que talvez essa distinção não seja possível. Os médicos ameaçados de perder os poucos artifícios que garantem sua hegemonia no crescente mercado das dietas se vêem encurralados, apoiando-se em revisões científicas ultrapassadas onde a “eficácia” é atestada em seus efeitos imediatos e não os de longo prazo. Sim, a Anvisa não precisou de um estudo científico controlado de “cinco décadas” para afirmar que os efeitos dos medicamentos anorexígenos não valem o risco colocado pelas “341 reações adversas” descritas: no Brasil, país onde esses medicamentos vem sendo usados a critério dos médicos, o percentual de homens obesos passou de 2,8% para 12,4% (mais do que quadruplicou!) desde 1974, enquanto a taxa registrada entre as mulheres dobrou de 8% para 16,9%. Introduzir um paciente num movimento corporal cíclico de engordar e emagrecer cujo saldo é na maioria dos casos um incremento de peso é um tratamento eficaz?

Quem ignora o quê? A revista Veja, sem dúvida, ignora o “caráter ideológico” da recusa médica de “medidas regulatórias” sobre suas intervenções. Aqueles que defendem o uso desses medicamentos ignoram seus efeitos nefastos, seus médicos irresponsáveis e as lacunas em seu próprio “conhecimento científico”. A população em geral e os pacientes obesos especificamente, por sua vez, ignoram a possibilidade de encontrar outras formas de enfrentamento da obesidade que não seja sua medicalização.

Rigor. Essa é a palavra de ordem para pensar a questão da obesidade e do uso de medicamentos para o seu tratamento. Dizer que se um “homem com um estilo de vida impecável acrescentar 1 colher de chá de arroz estará 7 kg mais gordo ao fim de cinco anos” é uma barbaridade! A matemática é precisa e não admite esse tipo de projeção. A relação entre um evento e o outro não guarda uma correspondência direta.

Em tempo, justificar a necessidade de manter a licença para o uso de medicamentos anorexígenos em função de que sua proibição promova uma incitação ao “comércio ilegal” de medicamentos é minimamente condicionar uma distorção ética à impossibilidade do estado reprimir a ilegalidade. Nessa linha de raciocínio, deveríamos repensar a liberação de outras drogas?

*Cristiane Marques é psicanalista

OBS: Embora eu, pessoalmente, seja contra a proibição de qualquer coisa - e isso vale para qualquer droga - gostei muito do texto da Cristiane. Seus argumentos são sólidos, pois baseados em sua longa experiência em psicoterapia voltada para a obesidade.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Luto expresso

Ontem encontrei-me com uma amiga querida, que há cerca de dois meses ficou viúva. Perdeu seu amor, seu amigo, seu companheiro de mais de 30 anos de união e, o que é mais tocante, naquele momento estava feliz que nem pinto no lixo, recém-aposentado e fazendo planos maravilhosos para os dois.

Passadas as duas primeiras semanas de torpor, ela foi pouco a pouco retomando a vida, amparada por uma rede de amigos e familiares mais próximos. Alternando momentos de muita tristeza e de força, conseguiu enfrentar a via crucis burocrática, organizar a mudança da casa enorme para um apartamento (um dos planos do casal), equacionar problemas financeiros e voltar ao trabalho.

A casa está arrumada, o trabalho está em dia, o papo com os amigos também. Talvez devido a essa sensação de “normalidade”, de calmaria, a dor seja tão grande. Não lancinante, como nos primeiros dias, mas sempre presente. O jantar solitário, o primeiro cinema sem ele... As lágrimas brotam, é inevitável. Mas, descem, secam e ajudam a assimilar a perda.

A minha amiga não briga com a emoção, pois sabe que só deixando que ela ocupe seu espaço pelo tempo necessário, será possível decantar a dor, pouco a pouco. É o ritmo natural das coisas. O que a incomoda e, às vezes, a enfurece, é a reação de algumas pessoas nesses momentos. Como se, passado tanto tempo (!!!), chorar fosse anormal, sinal de fraqueza, masoquismo, brega.

Dois meses, hoje, é uma enormidade. Tudo tem que ser rápido. Morreu, chora um dia, dois, uma semana e vamos em frente. Luto??? Só se for expresso.

Fico com raiva ao imaginar aquela pessoa tão amorosa, delicada - a primeira a lembrar os aniversários e a brindar as amigas com músicas, versos e palavras especiais -, sendo obrigada a reprimir sua emoção para não incomodar os outros. Não, não e não!

Amiga, pelo menos comigo, chore sempre que quiser.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Maternidade aos 72 anos

Mulher de 72 anos morre 18 meses após dar à luz

Gil Lúcio Almeida*

Saiu no Fox News uma reportagem de Colleen Cappon noticiando que uma mulher de 72 anos morreu devido a uma gravidez. Devi Lohan e o marido Balla pediram um empréstimo de cerca de 5 mil reais e fizeram uma fertilização in vitro, o famoso bebê de proveta.

Quase como um milagre, nasceu Naveen, em Baddhu Patti, na Índia, depois de uma cesárea que levou à ruptura do útero, seguida de bastante sangramento interno. Acamada durante 18 meses, sem conseguir se recuperar da cirurgia e sem forças ou energia para cuidar de Naveen, a mãe faleceu.

O caso acendeu um debate na Índia e em várias partes do planeta. Quando fica tarde demais para submeter o corpo feminino ao desejo da maternidade? A mãe se foi com a sensação de dever cumprido, pois deu o único herdeiro a seu marido. Sabia que estava morrendo, mas foi com a consciência de que tinha valido a pena continuar vivendo em Naveen. O pai alega que não foi informado dos riscos, mas está cheio de orgulho ao ver o herdeiro.

Uns poderão argumentar que se Sara deu um filho a Abraão aos 90 anos de idade (Gênesis, capítulo 17, versículo 17), por que Devi Lahan não poderia repetir o feito, sendo 10 anos mais nova? Como Sara viveu até os 127 anos, a ruptura do útero de Devi não poderia ter sido um erro médico? Outros defenderam que o Criador seria contra a prevenção da gravidez, mas não estimulou a ingerência do homem para dar uma chance à vida. Terceiros, replicaram apontando que se o Criador não teria dado ao homem a inteligência para vencer os obstáculos da gravidez, se assim não o desejasse. O fato é que do ponto de vista da fé, fica difícil negar a Sara e Devi o direito à maternidade, mesmo que tardia. Se uma mãe é capaz de se lançar instintivamente em direção a um carro em movimento para salvar o seu bebê, como impedir Devi de ver seu útero de 70 anos fertilizado?

As associações médicas criticam o médico, que já ajudou também outra mulher a ser mãe aos 66 anos. A morte de um não justifica a vida de outro, alega a ética dos que se formaram para cuidar da vida. Destacam, baseadas em achados científicos, que a gravidez em mulheres acima dos 50 anos, aumenta muito o risco de morte da mãe e/ou do feto e que também é grande o risco de malformação, doenças e disfunções no recém-nascido. Especialistas em educação mostram preocupação com o desenvolvimento psíquico de uma criança sendo criada por idosos. Os registros bíblicos relatam que a idade avançada de Sara e Abraão não foi um fator limitante para o desenvolvimento da prole. Abraão morreu com 175 anos, foi pai de Isaque aos 100 anos, que casou com Rebeca, gerando Jacó e Esaú e, a partir daí, criando o mundo árabe e judaico. Porém, existe a possibilidade de que na idade antiga o ano era menor que o atual.

Para a vida que chega e para a vida que vai nunca é tarde demais. Apesar de o assunto ser polêmico, não precisamos temer ou debater o que há por vir e muito menos decidir quem e quando virão. Basta dar as informações de forma clara e objetiva aos casais e deixá-los decidir os seus destinos. O que não vale é deixar de informar aos futuros pais de idade avançada, sobre os riscos que correm e a que estarão submetendo os que chegarem a partir deles.



*Fisioterapeuta e mestre pela UFSCar, PhD pela Iowa State University, com pesquisas realizadas na com pesquisas realizadas na University of Illinois at Chicago e autor do livro O Engraxate que virou PhD

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Serviço de utilidade pública

Hoje, não há como escapar dos quilos adicionais representados pelo notebook. E, em casa, ele começa a ocupar o espaço do desktop. Mas isso não acontece sem danos para a coluna ou pescoço ou braço, ou tudo junto.

Por isso, transcrevo abaixo uma nota que recebi hoje do Conselho de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo. O objetivo é mostrar como usar notebooks sem que prejudicar a saúde e a postura.
Trata-se de um verdadeiro serviço de utilidade pública.


Você sabe usar o seu notebook?


Gil Lúcio Almeida*


Já que não podemos viver o notebook, o melhor é trazê-lo literalmente para o seu colo. Para isso, seguem algumas dicas:

· O notebook deve ser colocado numa distância que permita uma leitura confortável e ao mesmo tempo provoque a menor inclinação possível da cabeça para frente.

· Mantenha os dedos alinhados com o punho. O ideal é procurar um encosto confortável, já que a sua coluna e cabeça devem ficar ligeiramente inclinadas para trás. Nesta posição procure mover os olhos e não a cabeça para visualizar o teclado. A tendência é de inclinar a cabeça para frente, o que gera um empurrão no pescoço que tende a girar a cabeça em direção à barriga, forçando a contração da musculatura da nuca.

· A cada meia hora faça uma pausa. Leve as duas mãos à nuca e faça uma rápida massagem nessa musculatura. Alongue a cabeça para trás fazendo movimentos suaves de rotação para um lado e para outro. Faça o mesmo com os dedos das mãos. Use uma mão para alongar os dedos da outra em direção ao dorso e à palma da mão. Os olhos são mantidos focando o monitor e o teclado pela ação de pequenos músculos. Para aliviá-los durante a massagem na nunca procure olhar para cima.

· Lembre-se: seus dedos precisam saber localizar de forma automática a posição das letras e números no teclado. Caso tenha que olhar para o teclado na hora de digitar cada letra procure fazer um curso de digitação, pois isso vai exigir uma inclinação menor da cabeça e aumentar o seu rendimento. No teclado do notebook temos a tendência de acompanhar o pequeno espaço entre as teclas, mantendo os dedos mais próximos uns dos outros. Procure mantê-los mais afastados, tente mover um pouquinho o punho para achar as teclas. Para preservar sua visão, trabalhe sempre com fontes grandes ou aumente o zoom de sua tela.

· Os laptops estão cada vez mais leves, mas procure carregá-lo em uma mochila que se pendura nas costas com alças para os dois ombros.

· Caso tenha que usar o laptop durante muito tempo, utilize o mouse e transforme o seu computador portátil num desktop.

Fique conectado em sua saúde.

*Fisioterapeuta e professor, mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina.

domingo, 25 de abril de 2010

Areia, talento e emoção

Raras vezes a gente consegue pinçar algo especial das inúmeras mensagens com "pensatas" em powerpoint, links e (ugh!) correntes, que recebemos dia sim, outro também.

Hoje isso aconteceu. Um amigo enviou-me o link abaixo, que mostra a vencedora da edição ucraniana do Got Talent. A jovem Kseniya Simonova apresentou, ao vivo, uma animação da invasão da Alemanha na Ucrânia durante a 2a. Guerra Mundial, usando apenas os dedos e uma superfície com areia.

Segue o link do vídeo, com oito minutos de pura emoção.

http://pelapapas.com.mx/htmls/animacion-arena-2.html

quarta-feira, 3 de março de 2010

Beleza para a Vida

A ONG Crisálida–Núcleo de Transformação Humana, de São Paulo, promove no Dia Internacional da Mulher o evento “Beleza para a Vida”. A seguir, o texto de divulgação enviado pela presidente da Oscip, Sílvia Palma.

Junto a 100 mulheres atendidas pelo Grupo de Apoio às pacientes com câncer de mama do Departamento de Ginecologia da Unifesp, a meta é minimizar e suavizar o problema da doença, mostrando que os cuidados com a auto-imagem e aparência formam um coadjuvante essencial nos resultados dos tratamentos oncológicos.

Crisálida já transmite no seu nome a essência de sua missão. Ovo, lagarta, crisálida e borboleta... A crisálida, silenciosamente, passa por uma grande atividade dinâmica, não em uma atividade ruidosa, mas silenciosa. É nesse silencio que ocorre a transformação. A borboleta representa o homem plenamente realizado. A crisálida é o inicio para a realização.

A proposta é compartilhar, através desta vivência, experiências que possam fortalecer as mulheres em tratamento oncológicos e servir de agente de transformação na recuperação de cada uma delas. Com a adesão dos profissionais da “Academie Jacques Janine”, as mulheres vão receber orientações de cabeleireiros, manicures e maquiadores para cuidar da beleza mesmo enfrentando o tratamento. Também teremos o apoio da empresa cosmética Fator 5, que realizará uma consultoria personalizada com essas mulheres, identificando o perfume mais adequado a sua personalidade.

Para quem perdeu momentaneamente os cabelos devido ao efeito da quimioterapia, os profissionais vão dar as dicas de como tirar o melhor proveito de acessórios. Já na hora de deixar as unhas impecáveis, todo cuidado é pouco. Para as mulheres que passam pelo tratamento, é importante preservar a cutícula devido à baixa imunidade da paciente. Para a maquiagem, receberão dicas para melhorar a aparência no dia-a-dia, bem como dedicar atenção especial às sobrancelhas e cílios. Além dessas iniciativas teremos sessões de massoterapia – auriculoacupuntura.

O Rotary Club de São Paulo Norte oferecerá o Coffee Break.

Dia: 08/03/2010
Local: Rua Botucatu, 527
Horário: Das 10h00min as 17h00min.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Fome de viver

Como toda criança, vim ao mundo aos berros. A diferença é que eu não parei de gritar. Enquanto os outros bebês ficavam quietinhos no carrinho em que eram levados para serem amamentados, eu fazia tanto escarcéu que as companheiras de enfermaria de minha mãe avisavam: "Maria, lá vem sua filha".

A medida que crescia, o berreiro foi sendo substituído pela inquietação (hoje chama-se hiperatividade). Sapatos, só para ir à escola; os dedões viviam ralados de tanto chutar o cimento tentando acertar a bola; passava horas em cima de árvores. Naquela época, dizia-se que pessoas irriquietas tinham "bicho-carpinteiro". Eu tinha vários.

Na tentativa de me domar, mamãe fez de um tudo: do livro de boas maneiras ao castigo, a suspensão do lanche toda vez (sempre) que eu ficava enrolando para almoçar, e até o famoso método Piaget de português (o tamanco). Acreditando que eu era encapetada, mandou-me para um colégio de freiras. Onde aprontei muito.

Quando meu filho mais novo nasceu, também berrando muito e com os cabelos em pé, ela comentou, ferina: "Ele vai ser igualzinho a você, que vai passar agora por tudo o que eu passei!"

Não passei. Amei cada capetice daquele indiozinho e do irmão mais velho, embora este tenha sido muito tranquilo na infância.

E, talvez por isso, pela sabedoria da velhice e alguma terapia, mamãe passou a ver com outros olhos a sua filha difícil. Continua contando a história da maternidade, mas agora diz, orgulhosa, que eu gritava porque tinha fome de viver.

Valeu mãe!